Por Laurindo Leal Filho
Futebol não é apenas o esporte mais popular do Brasil. É também um programa de TV de grande audiência, assim como as novelas e os reality shows. Hoje a Globo, detentora dos direitos de transmissão de quase todas as disputas futebolísticas, determina os horários em que os jogos devem ser realizados para que se encaixem perfeitamente em sua programação. O resultado são partidas começando às 22 horas, tirando torcedores dos estádios e impondo aos atletas um ritmo de trabalho incompatível com a saudável prática esportiva.
Mas o monopólio absoluto acabou. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça, determinou que, a partir de 2012, todas as emissoras terão o direito de disputar a transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro em igualdade de condições.
O fato desencadeou uma verdadeira guerra envolvendo clubes e emissoras. E não é para menos. O lance mínimo para aquisição dos direitos em relação à TV aberta é de R$ 500 milhões, havendo ainda em disputa as transmissões para o exterior e por outros meios, como TV por assinatura, pay-per-view, celular e internet.
São negócios milionários explorados numa longa cadeia comercial. A TV mostra para as agências de publicidade os números da audiência a ser obtida com as partidas de futebol e estabelece os preços a serem cobrados dos anunciantes. De outro lado, os clubes negociam com as emissoras os valores a serem recebidos pela exibição dos jogos e, com os patrocinadores, pela exposição de sua marca na camisa dos atletas durante as transmissões.
Com esse dinheiro pagam a seus principais jogadores salários astronômicos. Dentro da lógica estritamente capitalista não há o que contestar. Jogadores e clubes são tratados como produtos vendidos no mercado do entretenimento, com as emissoras no papel de intermediárias. Mas, observando um pouco melhor, percebem-se sérias distorções, causando prejuízos ao consumidor final, o telespectador.
Chega-se à esdrúxula situação de, numa cidade, determinado jogo passar em três canais. O curioso é que essas TVs vivem louvando o direito à livre escolha. Que escolha?
A primeira delas, a mais gritante, é a do monopólio que o Cade tenta corrigir. Ainda assim, a Globo estimula a divisão entre os clubes, tentando manter a exclusividade das transmissões, mesmo sob as novas regras. Forçou de todas as formas as negociações diretas com cada um, esfacelando o Clube dos 13, entidade que tratava coletivamente dos interesses de todos.
O poder da TV revela uma segunda e grave distorção: a submissão dos clubes às emissoras. Administrados de forma amadora, a maioria só sobrevive graças às chamadas “cotas de TV”. Quase todos recebem esses pagamentos antecipadamente, tornando-se reféns das empresas de comunicação. Estas, por sua vez, determinam os jogos que serão transmitidos e os respectivos horários.
Chega-se à esdrúxula situação de, numa cidade, duas emissoras de sinal aberto (Globo e Bandeirantes) e uma por assinatura (SporTV) transmitirem o mesmo jogo. O curioso é essas TVs, em seus telejornais, não se cansarem de louvar o direito à livre escolha. Falam até no poder que o telespectador teria ao se utilizar do controle remoto. Para quê? Para ver o mesmo jogo em outro canal?
A disputa pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de 2012 a 2014 girou em torno dos interesses das emissoras e dos clubes. Não se ouviu uma palavra sobre os direitos do telespectador.
Ele, que deveria ser o primeiro a ser ouvido, não é visto por clubes e emissoras como cidadão, a quem cabe, antes de tudo, receber um serviço público de qualidade. O telespectador é tratado apenas como um consumidor, cujo poder se resume a escolher o produto televisivo que melhor caiba em seu bolso.
Aquele com poucos recursos tem de se contentar com a TV aberta e ver o jogo que muitas vezes não lhe interessa. Quem for um pouco mais abonado pode assinar um canal fechado e, às vezes, assistir a um jogo diferente. E finalmente, para os mais ricos, há o caro pay-per-view, com uma oferta de partidas bem mais ampla.
Ainda bem que, apesar da TV, a qualidade do futebol brasileiro sobrevive. Só não sabemos até quando.
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