Oportunismo midiático atinge tragédia carioca

Tem sido corriqueiro na cobertura midiática brasileira uma tendência escancarada a espetacularização de toda e qualquer tragédia que ocorra, principalmente se ela acontecer no eixo Rio-São Paulo.
A tragédia que ocorreu no Rio de Janeiro provocada pelas fortes chuvas que atingiram o estado não foge a esta regra. Em geral, tais acontecimentos são um prato cheio para todo o tipo de sensacionalismo na cobertura da grande imprensa. Transformar dramas individuais e coletivos em audiência é um objetivo insistentemente perseguido, e nesse quesito a Globo tem dado uma especial atenção. Afinal, a tragédia aconteceu no seu “quintal”, portanto, justificativa suficiente para se explorar ao máximo o ocorrido.
No entanto, diferentemente do que ocorreu na cobertura de outras tragédias semelhantes, a uma significativa mudança, de forma mais ou menos explicita, no trato desta matéria. Se nas enchentes que assolaram São Paulo no começo deste ano, houve uma deliberada “despolitização” do ocorrido, agora vemos o oposto.
Nas enchentes paulista, em nenhum momento se cobrou qualquer responsabilidade por parte da Prefeitura, na figura do Kassab (DEM) ou do candidato/governador Serra (PSDB). Tudo foi computado exclusivamente a problemas naturais, a forças incontroláveis aos quais o poder público estava completamente isento. No Rio, se percebe uma mudança nessa postura, e de forma tangencial, uma crescente politização. E isso de forma direcionada e com objetivos claros.
É sabido que o Rio de Janeiro é um dos estados onde o Governo Lula goza de elevados índices de aprovação e tanto o prefeito Eduardo Paes quanto o governador Sérgio Cabral estão engajados na eleição de Dilma para presidenta.
Por tanto, não é de se estranhar que haja uma deliberada politização e busca de responsabilização junto aos governos locais e federal quanto a tragédia carioca. Descontextualizando os acontecimentos e dando tintas eleitorais a uma tragédia que não deveria ter tal tratamento.
Se esquece, por exemplo, o longo e excludente processo que envolveu a formação das favelas cariocas. Do longo descaso e abandono que o poder público, historicamente, teve com estas comunidades. O que não isenta ninguém da necessidade de ações no presente e responsabilidade sobre os fatos ocorridos. O que estranha nisso tudo é a incoerência editorial, onde para uns a culpa é apenas da natureza, para outros é apenas do governo, demonstrando uma fragilidade grotesca na linha editorial no que tange a critérios, se é que se pode cobrar critérios desta imprensa.
Nesse momento, não faltarão “especialistas” propondo soluções higienizantes para “resolver” o problema das favelas. Este talvez seja o maior risco que pode vir a tona nesse processo.
Para além do imediatismo da cobertura oportunista da Globo e cia, com vistas as eleições presidenciais, o maior risco é que se estabeleça uma “opinião” que aponte para um processo de culpabilização das vítimas. De responsabilização daqueles que foram os maiores atingidos pelas chuvas. A ocupação irregular nos morros cariocas não é uma “opção” por parte de quem lá reside, mas em geral, a única possibilidade.
Que o desfecho desta tristes acontecimentos não sirva de pretexto para “varrer para debaixo do tapete” a massa moradora das favelas como certamente sonham as elites cariocas, assim além de não se resolver absolutamente nada, estaria aprofundando-se ainda mais a tragédia destas pessoas.