O Clássico Classe Média



Lelê Teles

O Clássico Classe Média tem os olhos voltados para a Europa e para o Esteites. E fecha os olhos e os ouvidos para os parentes pobres no Brasil. Parente pobre todo mundo tem, mas o Clássico Classe Média tem horror a eles. A empregada doméstica é o único contato que tem com os pobres, embora com ela não tenha contato nenhum, a não ser quando o adolescente resolve encochá-la na cozinha, exatamente como se fazia na Casa Grande.
A empregada usa o elevador de serviço e dorme no único quarto do apartamento que não tem janela. O quarto da empregada, sonho de consumo da Classe Média, fica dentro da cozinha e foi projetado para que ela não circule pela casa entre uma tarefa e outra e morra sufocada pela fumaça.
O Clássico Classe Média prefere uma empregada analfabeta e desdentada, para ele poder rir da forma como ela fala e assim se desculpar pelas próprias escorregadas que dá por não compreender muito bem todas as regras que aprende em cursinhos para se sentir superior ao falar a língua morta e artificial das gramáticas normativas. Aliás, o Clássico Classe Média tem que aprender as normas da gramática, assim ele pode desdenhar de quem escreve um texto que ele não consegue compreender o contexto, mas consegue identificar um erro de concordância, que como se sabe é coisa de gente cafona, grosseira e analfabeta.
Embora tenha TV por assinatura, o Clássico Classe Média assiste à mesma programação que a sua empregada vê no quartinho sem janela. E quando assiste a algo engraçado que ele quer contar para o amigo, ele diz que passou pelo quarto da empregada e viu tal coisa na TV. O Programa do Ratinho, por exemplo, passava em horário nobre, horário caro como se sabe, e os comerciais, caros, vendiam para a Classe Média, mas todo Classe Média, quando ia contar uma piada que viu no Ratinho (“aquele programa ridículo do SBT”), dizia ter visto na TV da empregada ou quando zapeava sem pretensões. No fundo, tem complexo de si mesmo.
O Classe Média precisa de uma TV de Plasma ou de LCD para mostrar pros amigos, e quanto maior a polegada maior o falo e a fala dele. A TV de 14″ (o pequeno 14) ficou para o porteiro. Mas embora ache que a TV de 72″ seja a grande conquista do homem moderno e que TVzinha é coisa de porteiro, o Classe Média paradoxalmente compra um celular porque este vem com uma tela de 3″, onde ele se esforça para mostrar para os outros que está conseguindo assistir alguma coisa.
Mas, paradoxo do paradoxo dessa vida essencialmente paradoxal, embora tenha o empregado doméstico como um vassalo sem valor, o Clássico Classe Média paga escolas caras para o filho e depois o manda para a Europa para cuidar de casa alheia, lavar copos ou lavar cachorro, e sente orgulho do filhão.

Pescado em Amalgama

3 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Que discurso mais ressentido. É exatamente por isso, por pensar assim, que o pessoal da esquerda não consegue falar a mesma linguagem da população de baixa renda. As pessoas de baixo poder aquisitivo querem se tornar classe média, querem consumir, querem ter uma tv LCD e o governo Lula teve o grande êxito e a grande sacada de que aquele discurso antigo de pregar e alimentar antagonismos sociais ficou velho e mofado. Não é por ai que vamos resolver os problemas do Brasil, não é alimentando ódio e preconceito entre classes sociais que este Brasil vai para a frente. Muito pelo contrário, como disse o professor Boaventura no 1º FSM, o discurso de explorados e exploradores ficou para trás perdido na história, o que efetivamente importa é a inclusão social dos excluídos. A esquerda brasileira ainda está atrelada a discursos equivocados e mofados. Não é a toa que um dos "intelectuais" mais admirados por essa esquerda é um mediocre do naipe do Emir Sader que criticou, por exemplo, o Play station 2 que os filhos da classe média utilizam e que hoje está praticamente universalizado entre todas as classes sociais do Brasil. O discurso do ressentimento é atrasado, retrógado e tem um cheiro de impressionante de enxofre.

ERick disse...

Você está fazendo uma senhora confusão e, creio eu, proposital.
Uma coisa é este "espírito" conservador, pseudo-burguês, arraigado de preconceitos de toda a espécie (ainda que muitas vezes camuflado) que acomete uma ampla parcela da classe média, e aí me refiro a classe média clássica, aquela que não ascendeu socialmente recentemente e que sempre esteve ao lado dos setores mais retrógrados da sociedade.
Há um fenômeno novo, que é a emergência de um novo segmento social. É esse cidadão, que estava na linha de pobreza, e agora é uma classe média baixa. Se interessa pela política com um olhar diferente, mais cidadão. Essa gente não é massa de manobra, que vai para onde o líder for. E, ainda que almeje uma TV LCD, esse desejo não é necessariamente buscado pelo "status", mas sim pelo conforto. O que é uma senhora difereça.

Carlos Eduardo da Maia disse...

A emergência de um novo segmento social deve ser saudada por todos. A ninguém interessa a pobreza e a exclusão. A discussão acerca da necessária inclusão social não é ideológica, porque existem caminhos econômicos e sociais a serem percorridos e que outros países socialmente mais jutos já percorreram. É só seguir. Esse debate não é ideológico. Esse "novo cidadão" também terá seus preconceitos, seu conservadorismo, suas limitações, tanto que ele adora e participa dos BBB´s da vida. O cidadão alienado também é aquele que só lê Carta Maior ou que apenas acredita no que diz o Chávez. O alienado é aquele que não tem espírito crítico, mesmo que ele seja militante do PT e do PC do B. E tem muito miquinho amestrado que é alienado. Assim é a vida. O que certa esquerda não entendeu ainda é que a geração da patrula ideológica, como é o texto do Post, foi para o mofo do espaço. Como diz o grande Luc Ferry, que lançou um belo livro sobre a sabedoria dos mitos gregos que recomendo, existem dois grandes males na humanidade atual: religião e ideologia.