Maurício Thuswohl
A controversa liberação comercial do milho transgênico Liberty Link pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já havia sido suspensa pela Justiça há duas semanas, pode estar prestes a sofrer um novo revés. Dois importantes órgãos de fiscalização ligados ao governo federal - a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - apresentaram recursos ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) pedindo a anulação da decisão da CTNBio.
Desenvolvido pela empresa transnacional Bayer CropScience, o Liberty Link teve sua liberação aprovada pela CTNBio em 16 de maio, numa decisão imediatamente criticada por organizações do movimento socioambientalista e por setores do próprio governo. Os recursos apresentados por Ibama e Anvisa estão em acordo com a Lei de Biossegurança, que determina que as decisões da Comissão podem ser revogadas pelo CNBS, que é um colegiado composto por onze ministérios (Casa Civil, Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Justiça, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Relações Exteriores, Defesa e Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca).
No documento encaminhado na sexta-feira (6) à ministra Dilma Rousseff, que preside o CNBS, o Ibama evoca “a possibilidade de que a deliberação tomada pela CTNBio traga graves impactos para a saúde pública e, em especial, para o meio ambiente” e enumera as razões para isso: “Inexistência de estudo prévio de impacto ambiental realizado nas condições edafoclimáticas do país; ausência de avaliação de risco, caso a caso, que fundamente a decisão da Comissão; ausência de Instrução Normativa específica com diretrizes para analisar a avaliação de risco; ausência de plano e procedimentos de coexistência do cultivo de milho geneticamente modificado sem contaminação de outros tipos de milho e irregularidades processuais”.
Em nota divulgada para explicar a ação do Ibama, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), ao qual o órgão é subordinado, afirma que “a tramitação do processo não cumpriu vários dispositivos legais contidos tanto na Lei de Biossegurança como também no decreto 5.591/05 e no Regimento Interno da própria CTNBio”. O MMA afirma que “pareceres levados à plenária não foram aprovados nas respectivas subcomissões”, que “o pedido de sigilo de várias partes do processo tampouco foi apreciado e votado pela plenária” e que “durante mais de oito anos o processo tramitou de forma ilegal, pois grande parte estava em língua inglesa”.
A “ausência absoluta da avaliação de risco ambiental” na decisão da CTNBio também preocupa o MMA: “Não há no processo estudos ou literatura que comprovem a ausência de danos ambientais, razão pela qual a decisão técnica não poderia ter sido emitida, pois esta ausência de dados contraria a legislação brasileira, bem como o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança”, diz a nota divulgada pelo ministério.
Perigo para os bebês
Também encaminhado à ministra Dilma Rousseff, o recurso da Anvisa contra a liberação comercial do milho transgênico da Bayer tem teor semelhante ao documento do Ibama. A Agência afirma que, após analisar o parecer técnico emitido pela CTNBio, “verificou que o processo de liberação comercial do milho Liberty Link possui estudos inadequados e insuficientes para atestar a segurança alimentar e determinar os riscos à saúde pública da cultura geneticamente modificada”.
Entre as irregularidades no processo apontadas pela Anvisa, estão “a insuficiência ou inexistência de estudos toxicológicos ou de alergenicidade para comprovar a segurança do milho Liberty Link para o consumo humano”. A Agência afirma que a Bayer deve apresentar maiores conclusões acerca dos efeitos do consumo de seu milho transgênico sobre as pessoas, em especial as conseqüências sobre a amamentação de bebês: “A empresa deve apresentar estudos que demonstrem a presença ou ausência da enzima PAT ou de seus componentes de degradação no leite materno, bem como estudos que relatem os possíveis efeitos da enzima PAT sobre a prole de mamíferos”, diz o documento.
Sugestões à CTNBio
O recurso encaminhado ao CNBS pelo Ibama traz uma lista com sugestões a serem adotadas de agora em diante pela CTNBio: a) não aceitação de processos em língua estrangeira; b) não adoção da equivalência substancial como critério único de biossegurança, como ocorreu com o milho Liberty Link; c) observância ao principio da precaução; d) inclusão de medidas de biossegurança, como regras de coexistência e plano de monitoramento, no corpo da decisão técnica; e) exigência de realização de avaliação de riscos em ecossistemas brasileiros; f) não aceitação de sigilo em produtos transgênicos a serem comercializados.
Fonte: Carta Maior
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