Por Erick da Silva
Ler algum dos livros do filosofo esloveno Slavoj Žižek é sempre uma
experiência que nunca deixa de nos impressionar. O seu pensamento
radical, onde em sua crítica ao capitalismo se utiliza
principalmente da filosofia marxista hegeliana e da psicanálise
lacaniana, busca escrutinar as contradições do sistema para além
do aparente. A sua peculiar escrita, onde anedotas e passagens de
filmes Hollywoodianos são largamente utilizados para ilustrar suas
ideias, compõem um raciocínio original que muitas vezes não se
apresenta de forma linear ou evidente. Emoldurado em momentos de
brilhantismo, com afirmações polêmicas e polissêmicas, ler a
Žižek é sempre desafiador.
No
livro Violência – seis reflexões laterais, publicado pela
editora Boitempo, o filosofo esloveno aborda a questão de
como a violência, para além de suas manifestações socialmente
condenadas, é parte estrutural do próprio sistema capitalista.
Recordando a George Orwell quando este afirma que “As pessoas
dormem tranquilamente à noite porque existe homens brutos dispostos
a praticar violência em seu nome”, o autor desenvolve uma análise
que busca compreender o fenômeno da violência para além de suas
manifestações ostensíveis.

Quando pensamos na nossa atual
sociedade, ao tratar da violência, as imagens que nos vêm a mente
em geral são atos de crimes, ações terroristas, confrontos civis e
conflitos internacionais. Žižek propõe um “passo para trás”,
no sentido de empreender um esforço de “desembaraçar-nos do
engodo fascinante desta violência 'subjetiva' diretamente visível,
exercida por um agente claramente identificável. Precisamos ser
capazes de perceber os contornos dos cenários que engendram essas
explosões.”
Pensado
em termos históricos, a fundação dos estados modernos se
estruturam a partir de um ato fundador violento, que engendraram um
sistema que regula e perpetua uma série de violências cotidianas,
“subjetivas” e socialmente aceitas. “Não poderia toda a
história da humanidade ser vista como uma normalização crescente
da injustiça, trazendo consigo o sofrimento de milhões de seres
humanos sem nome e sem rosto?”, indaga Žižek.
Além
da violência subjetiva. ao longo de seus seis ensaios, subsiste uma
crítica que estrutura-se em dois eixos: a crítica a violência
“simbólica”, que ele aponta como “uma forma ainda mais
fundamental de violência que pertence à linguagem enquanto tal, à
imposição de um certo universo de sentido.” A outra parte do
triunvirato ele denomina como violência “sistêmica”, que
“consiste nas consequências muitas vezes catastróficas do
funcionamento regular de nossos sistemas econômico e político.”
Para
demonstrar suas teses, Žižek se utiliza de acontecimentos marcantes
que as representariam, como os ataques de 11 de setembro da Al-Qaeda
nos Estados Unidos, o furação Katrina e as revoltas sociais que o
sucederam em Nova Orleans, as rebeliões de jovens árabes de bairros
periféricos na Europa, o conflito entre palestinos e o Estado de
Israel, entre outros, são evocados para compor um rico cenário
analítico das manifestações contemporâneas da violência.
Desconstruindo
certos discursos humanitários, de contornos liberais, que assumindo
uma postura de “tolerância” frente ao “diferente”, mal
disfarça uma disposição de hierarquizar e dominar, a partir de uma
falsa ideia de liberdade de escolha, condicionada em estreitos
limites, muitas vezes maquiados, amortecendo as críticas ao aspecto
de sua violência simbólica. “Para que serve nossa apregoada
liberdade de escolha quando a única decisão possível deve se dar
entre obedecer as regras e uma violência (auto)destrutiva?”,
nestes termos Žižek aponta os limites do discurso liberal
hegemônico e a impossibilidade de saídas violentas
individualizadas, frente a capacidade de repressão estatal,
invariavelmente com uma força violenta superior.
Ao
longo da obra, Žižek aborda as múltiplas manifestações do uso da
violência para perpetuar os mecanismos de dominação. Mas a
violência, por outro lado, pode conter um sentido libertador.
Recorrendo a tipificação da violência desenvolvida por Walter
Benjamin, que denominava como “violência mítica” a violência
fundamental que sustenta o funcionamento regular do Estado, teria o
seu contraponto na “violência divina”, que seriam aquelas
manifestações violentas de superação do Estado capitalista. Žižek
não arrisca-se a apontar, de forma definitiva, quais os elementos
que deveriam compor uma determinada ação violenta para lhe conferir
o estatuto de “violência divina”, pois são parâmetros
cambiáveis no tempo e no espaço. O seu sentido maior é a
capacidade de romper violentamente a ordem estabelecida, de converter
em possível, o que outrora era concebido como impossível, não uma
violência como um fim em si mesmo, mas portadora de uma capacidade
transformadora, em outras palavras, uma violência revolucionária.
Ideia de complicada execução, que Žižek aponta como o verdadeiro
ato de violência, “É difícil ser realmente violento, realizar um
ato que perturbe violentamente os parâmetros básicos da vida
social.”
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