Estado laico? Universidade Federal do Acre anuncia distribuição de Bíblia aos professores


Por Gerson Albuquerque

"Ao cumprimentá-los cordialmente, informamos que no dia 03.07.2013, quarta-feira, os Gideões Internacionais estarão visitando todos os setores de nossa Instituição para realizar a entrega de Bíblias para nossos docentes, técnico-administrativos e discentes.” 

A mensagem acima foi, formalmente, encaminhada aos diretores de centros, coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação e outras unidades acadêmico-administrativas da Universidade Federal do Acre (Ufac), pela reitoria dessa Instituição Federal de Ensino (IFE), na manhã de segunda-feira, 1º de julho.

Seu conteúdo é assustador para todos nós que sempre defendemos o ensino público, gratuito, laico e de qualidade em todos os níveis, principalmente por compreendermos que abrir mão desses preceitos significa um retrocesso naquilo que foi assegurado na Constituição Federal de 1988, como conquista das amplas movimentações sociais em defesa das liberdades e dos direitos fundamentais de todos os seres humanos, independentemente de credo, raça, sexo, opiniões, preferências ou escolhas.

Ao acatar e formalizar por ato administrativo a distribuição de uma bíblia, panfleto, tratado ideológico, sonhos, quimeras, propagandas de governo ou fantasias de pessoas ou grupos de pessoas para toda a comunidade universitária, a reitoria da Ufac desrespeita essa comunidade, por tratá-la como se todos pertencessem a uma irmandade ou corporação de ofício que professa esse ou aquele credo. Mais que isso, age em frontal desrespeito ao que está inscrito na Carta Magna brasileira, no sentido de assegurar a liberdade de culto e de escolha religiosa, inclusive a de não ter ou professar a nenhuma religião ou credo existente.

Penso que devemos ser intransigentes na defesa da liberdade de escolha religiosa ou, como ensina o jurista José Afonso da Silva, à liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, de mudar de religião, mas também de não aderir a religião alguma, de não acreditar em nenhum deus, de ser ateu ou professar qualquer outra livre escolha. Desse modo, para não entrarmos em contradição com esse princípio, devemos ser intransigentes na defesa de universidade pública, gratuita, laica e socialmente referenciada.

Nesse sentido, independentemente de nossas crenças ou descrenças, aceitar passivamente que a administração pública estabeleça acordos ou parcerias no sentido da distribuição de bíblias no interior da Ufac implica em abrir mão de nossos direitos e liberdades de escolhas. Não obstante, significa, direta ou indiretamente, desconhecer o papel e a natureza dessa instituição pública e, ainda, constranger os não cristãos, os ateus e fazer coro com todas as formas de intolerância, homofobias, preconceitos e curas gays em voga no Brasil de nossos dias. Em síntese, significa tolerar o intolerável.

Gerson Albuquerque é professor associado do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre

Um comentário:

Anônimo disse...

Se alguém bater na minha porta e oferecer um exemplar do Capital ou do Corão, Minha luta, Idade da Razão, enfim, de qualquer obra de relevância histórica aceitarei de bom grado ou quem sabe, se não reconhecer tal relevância, recusarei educadamente, independente de concordar ou não seu conteúdo. Fico pensando se eu me decidisse a doar obras de Jorge Amado, Camus ou o Manifesto Comunista a uma escola eu poderia ser execrado... É claro que os Gideões fazem uma sua distribuição com o claro intuito de divulgação religiosa, mas vamos ser razoáveis! Eles estão doando um livro sem pedirem nenhuma contrapartida! Talvez (eu não sei) até esperem por esta, mas não há nenhuma imposição ou conduta maliciosa! Frequentemente encontro as Bíblias doadas por eles em hotéis e salas de esperas. Obviamente ninguém nunca me obrigou a ler. Laicismo não deveria significar obtusidade.
Alexandre