Um ano do golpe em Honduras



Erick da Silva

A América Latina ingressou no século XXI vivendo um período político singular em sua história. O número de governos de esquerda e progressistas, é inédito e alimenta possibilidades singulares na conjuntura internacional.
Desde a vitória de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, se sucedeu uma sequência de vitórias eleitorais na América Latina de governos não-alinhados com o centro imperialista, principalmente na América do Sul, provocando mudanças políticas importantes. Isso em um contexto global de ascenso conversador nos EUA e da Europa, onde o pensamento neoliberal ainda ditava as regras de unívoca, após a crise, uma leve diferenciação no cenário global.
O ano de 2009 marcou ainda mais uma importante mudança: saía a política truculenta de George W. Bush na presidência dos EUA e assumia Barack Obama, com um discurso apontando para mudanças. No entanto, a despeito disto, no dia 28 de junho de 2009 um golpe de estado foi executado em Honduras rompendo com um ciclo de avanços democráticos que o continente vivenciava.
Esta crise em Honduras desnudou os limites das mudanças de Obama nos EUA. Importante registrar a diferença de postura adotada, de um lado, dos países da América Latina, que repudiaram desde o primeiro momento o golpe e seus desdobramentos, e de outro, a atitude dos EUA, onde o governo Obama, frustrando expectativas mais otimistas, agiu de forma branda e, na prática, com uma ação legitimatória do golpe.
O golpe ocorreu quando o presidente Manuel Zelaya, que foi democraticamente eleito, convocava uma consulta popular para conhecer a opinião da sociedade em torno de futuras reformas constitucionais. Militares encapuzados, em aliança com a oligarquia, se utilizaram desta consulta como pretexto para perpetrarem um golpe, depondo Zelaya.
Honduras, depois do Haiti, é a nação mais atrasada do hemisfério ocidental, com mais de 70% da população na pobreza, fenômeno acentuado na área rural, onde o índice atinge 85 por cento. Quadro este que apenas tem se agravado com as sanções diplomáticas contrárias ao golpe de estado. Com 7,5 milhões de habitantes, é também um dos países com maior desigualdade e apenas 10 poderosas famílias controlam 90% das riquezas.
Preocupados em manter este status quo, esta elite detentora desta concentração de riquezas e que maneja Honduras política e economicamente há tempos, se opôs a qualquer modificação à carta magna que pudesse afetar seus interesses. A constituição da nação, aprovada em 1982 sob a tutela de uma ditadura, não responde aos interesses das maiorias e contém sete artigos pétreos que impedem realizar mudanças com respeito à forma de governo e distribuição dos recursos. Sendo um instrumento legal que emperra qualquer possibilidade concreta de modificação social. Desta constatação que partiu a consulta de Zelaya e, como reação, foi utilizado como estopim pelos golpistas.
Após o golpe que usurpou o poder hondurenho, O “governo de fato”, encabeçado por Roberto Micheletti, desatou uma brutal repressão contra os opositores, suspendeu garantias constitucionais e fechou e militarizou meios de comunicação.
Os seis meses de ditadura registraram cerca de 4.200 violações aos direitos humanos, mais de 40 membros da resistência antigolpista foram assassinados, cinco jovens mortos em marchas pacíficas e houve mais de três mil detenções.
Buscando por uma legitimação, o regime convocou eleições no dia 29 de novembro do ano passado e dois meses depois assumiu o poder Porfírio Lobo.
O governo de Porfírio, nascido sob o golpe de Estado, tem se apresentado frágil, enfrenta uma crescente ingovernabilidade, uma onda de violência sem precedentes e ainda não foi reconhecido por diversos países, sobretudo da América Latina. Desde a posse, as organizações sociais registraram mais de 700 agressões por motivos políticos, entre elas os assassinatos de doze dirigentes populares e nove jornalistas.
A conjuntura em Honduras está longe de se estabilizar. A ruptura institucional fez o país retroceder aos piores tempos das ditaduras da segunda metade do século passado, mas também colocou com força um novo ator na vida hondurenha: a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP).
A FNRP sobreviveu à repressão, aos toques de recolher, ao fustigamento contra seus líderes e tem realizado marchas em todos os departamentos [estados] para recolher 1,2 milhão de assinaturas para exigir a volta de Zelaya e a convocação uma Assembléia Nacional Constituinte.
A perspectiva que se apresenta é de a resistência prosseguir. Apresentam-se possibilidades de superação do atual regime, ainda que enfrentando grandes obstáculos, e dependerá muito do sucesso na luta da FNRP e da solidariedade internacional contrária ao governo usurpador de Honduras.

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