Beyoncé, a pista Vip e o racismo institucional

 

Por Jocélio Teles dos Santos*
Na madrugada do dia 10 de fevereiro um dos canais de televisão pagos projetou o filme O Homem Errado de Alfred Hitchcok (1956). Trata-se de um músico de uma casa noturna (interpretado por Henry Fonda),  religioso, casado, de vida pacata e que é confundido, acusado e preso pela polícia americana por um crime que não cometeu. Ao ver o filme eu me perguntei: e se o personagem fosse de cor na sociedade americana de antanho ou na atual sociedade brasileira? Qual seria o roteiro e o desfecho? A resposta veio em menos de vinte e quatro horas.
Provocado pela mídia me desloquei com um amigo para o show de Beyoncé no Parque de Exposições em Salvador. Havíamos comprado ingressos para a pista Vip no intuito de uma visão ideal do show da mega estrela. E esta área estava restrita a quem pagasse R$370,00 por cabeça. Enquanto assistíamos ao show de Ivete Sangalo deparei-me com um fato que exemplifica o racismo institucional.

Uma guarnição da Polícia Militar abruptamente abordou o meu amigo, circundando-o e já levando-o de modo truculento, sem nada perguntar, segurando-o pelo braço por trás, pela camisa, na costumeira fila, dita indiana, da corporação do Estado. Ao me aproximar para saber o que estava acontecendo, os soldados me afastaram e não tive outra alternativa que acompanhá-los no meio da fileira, mesmo falando que estávamos juntos e procurando saber do que se tratava. A resposta do corpo policial traduziu força e ameaça, mesmo que implícita, sem nenhum texto, a não ser o gestual, demonstrando que não há verbo capaz de estabelecer um possível diálogo entre sujeitos que detém e os que devem ser alijados de alguma relação com quem personifica o poder.
O meu amigo estupefato não reagiu. Foi levado para um canto da pista VIP, próximo aos holofotes e humilhado pela revista policial, como se estivesse cometido um delito. Sendo obrigado a mostrar a carteira de identidade, teve que dizer onde residia e, por fim, após a crueldade de todo o rito da PM, ouviu a seguinte frase do responsável pela guarnição: “houve um roubo aqui na área VIP e soube que a pessoa era do seu estilo”. Qual estilo, cara pálida? Respondo: o da cor/raça. Meu amigo é negro retinto.
A área VIP era formada majoritariamente por indivíduos de classe média e branca. Se comparada com a área de pista mais barata – preços no valor de 80,00 e R$160,00 – ali havia uma proteção policial considerável, mesmo sendo uma área cara, reservada e sem grande fluxo de pessoas. Durante o evento havia sempre duas guarnições. A lógica da distribuição policial em espaços de eventos elitizados parece obedecer a critérios. Quais? Procuremos os sentidos implícitos, já manifestos a distribuição desigual da PM na capital soteropolitana.
Diante desse fato de racismo explícito, o que dizer dos olhares das pessoas diante de tal brutalidade? Mesmo que elas estivessem freneticamente dançando ao som de Sangalo, não houve reações, o que demonstra a subjetividade e a introjeção do racismo na sociedade brasileira. Ao ver um negro sendo levando por policiais, mesmo ele estando na área VIP, algo que indica um diferencial em termos de classe, um sentimento de proteção emana das cabeças ali situadas. A naturalização do racismo – uma pessoa negra sempre é suspeita – associa-se aos que imaginam estarem sempre protegidos pela corporação militar.
Exemplos como esse abundam no país. O diferencial é que foi na ala VIP de um show. Lembro-me que no debate sobre as cotas raciais nas universidades os que eram contrários insistiam em dizer que no Brasil é difícil definir quem é negro. A resposta dos ativistas atualizou-se na área VIP para ver Beyoncé: “pergunte a polícia e ela saberá”.

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*Departamento de Antropologia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia.

2 comentários:

Unknown disse...

recebi o texto transcrito, mas se houve uma denuncia de que um negro praticou um crime na área vip é natural que todos os negros la presentes sejam revistados, de que outra forma a policia iria agir? se a denuncia fosse de um loiro de olhos azuis, um loiro de olho verde nao seria revistado, assim como nao deve ter sido revistado um mulato ou um moreno, mas sim um negro retinto, como deve ter sido descrito o meliante para a policia pela vitima.
O fato de ele ser amigo do autor do texto e de o autor do texto ter seus conceitos preformatados em estudos direcionados para validar a sua crença acadêmica também podem ter influênciado a sua visão e opinião escrita e publicada, que vale ressaltar é um tremendo poder, talvez até maior e mais violento do que o que foi utilizado pela PM.
Quem escreverá sobre esse abuso do poder de mídia contra a PM?
Ver o fato cru, sob oticas multiplas faz com que sejamos pessoas politicas. Deglutir o pensamento digerido de alguém só porque exibe vaidosamente um titulo de doutor e publica sua opinião privada em jornais nos reduz a gado.
A pessoa assaltada deve ter ficado satisfeita e se sentido segura ao ver que após fazer a descrição do seu algoz houve uma reação da PM. Se o bandido fosse branco e por essa razão tivesse sido revistado, o tal antropologo escreveria um artigo sobre a sensação de segurança que sentiu ao ver o poder publico atuando?
Precisamos acordar o pensamento para o que é justo e parar de olhar as coisas com um olho só!!!lamenta-se o engano, mas se a vitima fez uma descrição poderia ter sido um japones, ou um indio, ou um ruivo, será que o preconceito nao está em quem estigmatizou o fato e publicou a matéria?

orbitalcomics disse...

Típico comentário "classe média" reacionário pseudo-liberal.
Acha que o Brasil vive uma "democracia racial", quando a vida real mostra uma realidade muito diferente.
Belo artigo e parabéns ao blog.
Carlos