Breve história do DEM, da ditadura a Arruda passando por FHC


Por Bernardo Joffily

Observe o mapa e a tabela ao lado. Eles comparam o desempenho do PFL (Partido da Frente Liberal) em sua primeira eleição, para a Constituinte, em 1986, e na última, em 2006, que reelegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem antes do governador José Roberto Arruda conhecer os rigores do cárcere.

As informações para o mapa foram tomados do excelente Banco de dados eleitorais do Brasil, organizado pelo professor Jairo Nicolau, do Iuperj, coe cobre de 1945 a 2006. Vale a pena visitá-lo (clique aqui) e guardá-lo como referência.

O reduto nordestino se acabou


O contraste impressiona. O partido de Jorge Bornhausen e Antonio Carlos Magalhães caiu de 118 deputados federais para 65 (hoje está reduzido a 56). E todos os prognósticos apontam para nova sangria em outubro.

Quando se aproxima a lupa do mapa, os motivos da corrosão começam a aparecer. Em 1986, o então PFL elegeu nos nove estados do Nordeste a exata metade dos seus 118 federais: 59, dos quais 14 na Bahia de ACM e 11 em Pernambuco de Marco Maciel. Em percentagem da votação, alcançou 36% dos votos válidos no Nordeste, mais que o dobro dos 17,7% da média nacional.

Duas décadas depois, não só a média nacional caíu para 10,9%. A votação do PFL nordestino despencou para menos da metade, 17,0%. E o número de deputados reduziu-se em 31, com apenas 27 federais pefelistas eleitos na região.

Foram os efeitos daquela que um dia será conhecida como a Revolução Eleitoral Nordestina de 2006. O PFL foi o principal derrotado na votação que derrotou as principais oligarquias políticas da região – algumas neooligárquicas, outras com raízes na colônia e na casa grande.

Cabe aqui um parêntese para o caso baiano. A possante seção pefelista de ACM também saiu ferida de morte das urnas de 2006, com a eleição do governador petista Jacques Wagner ainda no primeiro turno. Mas essa derrota não se expressou com a mesma nitidez no critério de avaliação que escolhemos: a bancada do PFL-BA baixou apenas um deputado face a 1986, de 14 para 13, e até aumentou em percentagem de votação. O que torna ainda mais dramático o recuo da legenda nos outros oito estados nordestinos, de 45 para 14 deputados, menos de um terço.

Com FHC, a maior bancada


O recuo do PFL-DEM nas cinco eleições federais destes 20 anos não foi em linha reta. Em 1990 o partido baixou para 83 deputados federais. Em 1994, coligou-se com o tucano Fernando Henrique Cardoso, indicando Marco Maciel para vice, e recuperou-se para 89. Em 1998, de novo com FHC e Maciel, subiu para 105 deputados (47 deles nordestinos), a maior bancada daquela legislatura. Na primeira eleição de Lula, em 2002, já caiu para 84.

Data daí a fase de inferno astral do PFL. Já se disse que a sigla está no poder desde Pedro Álvares Cabral, o que não deixa de conter seu grão de verdade. A própria criação do partido, ainda como Frente Liberal, em 1984, tem a ver com a pressão imensa das multidões que foram às ruas na Campanha das Diretas Já, decidida a acabar com a ditadura, mas também com a constatação pragmática de que estava na hora de abandonar o barco do regime militar agonizante.

Com Lula, o PFL viu-se na contingência de romper com seus cinco séculos de governismo, passar à oposição, e até rivalizar com o PSDB para ver quem era mais acerbamente oposicionista. Pior, teve de fazer oposição a um presidente pau-de-arara e dono de imensa popularidade no Nordeste. Perdeu a maior parte de seus longamente cultivados redutos nordestinos. Em 2006, elegeu apenas um governador, Arruda, um ex-tucano, e no Distrito Federal. Em 2008, sua maior proeza foi fazer o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, bafejado pelas circunstâncias de uma luta interna no PSDB local, entre José Serra e Geraldo Alckmin.

Renovação à moda do DEM


O PFL compreendeu que os tempos eram outros, bicudos, ingratos e, como diria o anti-herói de Lampedusa, é preciso que tudo mude para que tudo permaneça como está. Data daí, de 2005, o processo de 'refundação' do PFL, que culminou em 28 de março de 2007 com a mudança do nome para 'Democratas', da sigla para DEM e do símbolo, de uma esfera azul para uma árvore azul e verde.

Se o internauta digitar na rede o endereço www.democratas.org.br, vai se deparar primeiro com o dístico "O partido das novas ideias" e, quando a página se abre, "A força das novas ideias". Os marqueteiros do DEM não parecem não ter chegado a um acordo sobre o slogan, mas há um denominador comum: "novas ideias".

Foi feito também um esforço de renovação dos quadros. O senador Jorge Bornhausen (SC), veterano egresso da UDN, aposentou-se da presidência do partido para dar lugar ao deputado Rodrigo Maia (RJ), filho do prefeito Cesar Maia, enquanto a seção catarinense era assumida por seu próprio filho, o deputado Paulo Bornhausen. Os despojos do outrora ponentíssimo PFL baiano passaram ao deputado ACM Neto, descendente e herdeiro do legendário Toninho Malvadeza, desaparecido em 2007.

Mensalão foi apenas a gota d'água


Hoje já é possível fazer um balanço do esforço renovador. Sem raízes, sem discurso, sem ideias velhas ou novas, sem rumo, o DEM marcha provavelmente para o pior resultado nas urnas desde a fundação do PFL. Seus aliados estratégicos do PSDB fazem o que podem para não lhe darem a vice na chapa presidencial de José Serra, mesmo que o também tucano Aécio Neves continue se recusando a compô-la. No plano estadual, suas melhores chances parecem concentradas no Rio Grande do Norte, ainda assim com ameaças reais para o mandato de senador do líder do partido, José Agripino Maia.

O escândalo brasiliense funcionou aqui como a gota d'água que fez o copo transbordar. Mas não seria justo atribuir a José Roberto Arruda, Paulo Octávio e companhia toda a culpa por um processo que vem de bem antes e vai muito além. Mais razoável será culpar o povo brasileiro, que parece ter decidido mudar a turma dos poderosos desde Cabral.

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