Depois das esdrúxulas imagens dos corruptos de Brasília escondendo dinheiro nas meias e cuecas, e da surrealista oração conjunta de três desses cafajestes agradecendo a Deus a existência de um deles, a minha impressão é a de que não adianta esperar que cheguemos ao fundo do poço; que esse poço não tem fundo; que, portanto, qualquer indignação não tem mais sentido; e que, finalmente, para que os políticos brasileiros tomem jeito, é preciso romper a lengalenga das conclamações por “rigorosas punições” para esses trastes - porque todos no país, eles em primeiro lugar, sabem que elas não virão. Que fazer então? Como dizia uma marchinha de carnaval dos anos 50 - “pensar / professor / pensar...”
Pois bem, comecei a fazê-lo. Sabiam os senhores que em outras plagas - nos Estados Unidos, na França e mais recentemente até na Coréia do Sul - acontece vez por outra de um corrupto suicidar-se? Foi por aí que o meu pensamento começou a desenvolver uma reflexão que não sei se classifico no departamento da chanchada ou do drama. O leitor que decida! Os fatos, em primeiro lugar.
Fato nº 2: em 1993, na França, num feriado de primeiro de maio, o ex-primeiro-ministro do segundo governo Mitterrand, um desconhecido entre nós chamado Pierre Bérégovoy (pronuncia-se “bêrrêgôvuá”), meteu também uma bala na cabeça por análogas razões: metido em acusações de corrupção, tinha sido duramente atacado pelos oposicionistas e sentia-se pessoalmente responsável pela fragorosa derrota do Partido Socialista nas eleições legislativas daquele ano.
Fato nº 3: em junho deste ano, na Coréia do Sul, um certo Roh Moo-hyun (não sei como se pronuncia), ex-primeiro-ministro daquele país, depois de admitir publicamente ter recebido seis milhões de dólares de uma fabricante de tênis, não conseguiu conviver com a vergonha: pulou de uma ribanceira de 30 metros e morreu. Como fatos, basta. Vamos agora à teoria.
Não sei se o leitor já ouviu falar em Durkheim. Um dos pais da sociologia, ele é autor de um livro instigante, O Suicídio, onde tenta demonstrar a tese de que esse gesto extremo, o mais pessoal que possa haver, também está submetido a determinações sociológicas. Pois bem. Para Durkheim, a auto-imolação de pessoas como Dwyer, Bérégovoy e Moo-hyun entraria na categoria do “suicídio altruísta”, porque eles estariam de tal forma identificados com os valores socialmente aceitos, que não suportariam conviver com a acusação de tê-los infringido. Nesse caso, a inexistência de suicídios desse tipo na sociedade brasileira indicaria a ausência de valores cívicos suficientemente fortes para serem levados a sério.
É nesse sentido que precisamos de uma ruptura, um gesto heróico que seja, e que se torne um marco. Como sou contra a pena de morte, comecei a delirar com a possibilidade de um desses corruptos se matar! Seria um choque, sem dúvida. E indicador de uma mudança cultural da maior importância. O sujeito poderia entrar para a história como um dos vultos importantes do Brasil! Infelizmente não acredito que nenhum deles tope a proposta. Para isso, seria necessário que dessem alguma importância a valores que justamente não têm... Como romper esse nó? Socorra-me, Robespierre!
Depois de ter escrito isso, fiquei pensando na hipótese, altamente improvável, é verdade, de um suicídio altruísta ocorrer na “mundiça” do governo do Distrito Federal. E agora? Será que eu poderia ser criminalmente processado? Remoto bacharel em direito que sou, lembrei-me de que no Código Penal tem um delito de “induzimento ou instigação” ao suicídio. Consultei meus advogados e eles me confirmaram. A pena não é tão horrível assim: de 2 a 6 anos de reclusão. Mas mesmo assim... É verdade que tem um dispositivo que vem em meu socorro: segundo o artigo 65 do mesmo Código, se o crime é cometido em razão de “relevante valor social ou moral”, a pena é reduzida. Nesse caso, com sorte, posso pegar uns 4 anos no máximo, e aí eu poderia me beneficiar das chamadas penas alternativas, que evitam que o sujeito vá parar na cadeia. Um juiz compreensivo poderia me condenar a prestar serviços comunitários. Como sou professor, poderia ser condenado a fazer conferências pelo Brasil relatando minha história... O que acha, leitor? Topo?
Luciano Oliveira é professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Pescado na Carta Maior
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