Nova classe trabalhadora

Marcio Pochmann

Nas duas últimas décadas, a combinação entre o baixo crescimento econômico e a inserção globalizada pela especialização produtiva de contido valor agregado e pífio conteúdo tecnológico vem conformando uma nova estruturação na sociedade brasileira. O segmento dos trabalhadores urbanos, por exemplo, vem passando por transformações inquestionáveis.
Ademais de perder a sua antiga posição relativa de destaque entre o total da ocupação, assim como já identificado na classe média assalariada, percebe-se atualmente uma importante recomposição interna. Emblemático disso parece ser o esvaziamento relativo do peso dos postos industriais de trabalho, como de metalúrgicos e operários da construção, preenchidos rapidamente por vagas do setor terciário, como de vendedores e seguranças.
Com isso, a nova classe trabalhadora urbana caracteriza-se por maior escolaridade, idade média avançada, ampliada presença feminina e baixa taxa de fecundidade. Não obstante essas modificações, a remuneração dos ocupados urbanos perde posição relativa na renda nacional, assim como o emprego torna-se mais inseguro e escasso.
Na falta de uma nova maioria política comprometida com o desenvolvimento sustentável, o Brasil tende a protagonizar o silêncio dos cemitérios .
Neste sentido, assiste-se à desconstrução da estrutura social produzida ao longo de cinqüenta anos de industrialização nacional (1930 - 80). Como se sabe, a convergência política em torno do crescimento econômico a partir da Revolução de 30 se mostrou capaz tanto de derrotar as forças liberais que dominavam a República Velha (1989 - 1930) como de contribuir decisivamente para o estabelecimento de uma nova estrutura social no Brasil. Embora a articulação política da anacrônica oligarquia primário-exportadora oferecesse resistência não desprezível, como no caso da Revolução de 1932 e no discurso do grupo de Washington Luís de que a laranja substituiria o êxito do café, o avanço das novas bases materiais do capitalismo urbano industrial reorganizou a sociedade brasileira em torno de dois eixos estruturantes.
De um lado, a constituição de um generalizado proletariado urbano industrial. O vigor da expansão da ocupação urbana foi inegável, permitindo que a classe trabalhadora urbana deixasse de representar menos de 18% do total da ocupação, em 1920, para responder por quase 55% em 1980. Nesse mesmo período de tempo, cerca de dois terços da classe trabalhadora urbana terminou sendo constituída pelo movimento de migração campo-cidade - responsável pela transformação rápida do micro e pequeno proprietário rural (agricultura familiar ou de subsistência) em trabalhador urbano assalariado (com ou sem carteira assinada). Na maior parte das vezes, essa passagem foi acompanhada da ascensão social, mesmo que no contexto de enorme desigualdade, pois enquanto os filhos dos pobres ficavam menos pobres que seus pais, os filhos dos ricos ficavam mais ricos que seus país.
De outro, o desenvolvimento uma ampla classe média. Especialmente em relação ao avanço dos empregos assalariados na grande empresa privada e no interior do setor público, houve a ampliação da classe média, que passou de um pouco mais de 15% do total das ocupações urbanas, em 1920, para quase 32% em 1980. No ambiente de elevado crescimento econômico voltado para o fortalecimento do mercado interno, a educação se transformou no verdadeiro passaporte para o emprego, permitindo que o acesso ao certificado escolar implicasse trajetória profissional ascensional e proteção contra o desemprego.
Neste começo de século, o Brasil parece não conseguir deixar de conceder atenção especial aos segmentos dos descamisados e dos rentiers. Ao invés do curso da sociedade salarial estruturada entre trabalhadores de colarinho branco e azul, segundo evidências originalmente definidas nas nações desenvolvidas, percebe-se um certo regozijo por parte da elite com a possibilidade de o Brasil voltar a inaugurar mais um novo ciclo da cana-de-açúcar.
Mesmo que isso possa até ser uma condição necessária na montagem de uma nova matriz energética não é suficiente para interromper o movimento atual de desconstrução social. Com a prevalência do baixo dinamismo econômico e da inserção subordinada na globalização, dificilmente a nova classe trabalhadora urbana poderá absorver, como no passado, parcela maior dos frutos da expansão produtiva.
Se não for para constituir uma sociedade menos primitiva, com bem-estar universalizado, para que, então, o enorme arco de forças políticas convergente fundamentalmente com a estabilização monetária? Sem uma nova maioria política, comprometida com o desenvolvimento sustentável, o Brasil tende a protagonizar o silêncio dos cemitérios. Lá, ao que parece, não tem barulho, mas também não tem vida.

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