Globo assume que apoiou Golpe de 1964: de que serve a culpa sem responsabilidade?


Por Erick da Silva

Globo assumiu publicamente que apoiou Golpe de 1964. O editorial publicado no jornal "O Globo" no sábado (31/08). No texto, a empresa da família Marinho aponta o apoio ao golpe – noticiado pelo Globo, em 1964, como "a restauração da democracia" – como um "erro". Um "incômodo para o jornal".

Não deixa de ser relevante o fato do jornal publicar um editorial que reconhece seu "apoio editorial" ao golpe de 1964. Esse reconhecimento tardio, não se dá devido a alguma "crise de consciência" pelo fato ocorrido a quase 50 anos atrás e que "a luz da História" precisa ser resgatado. Os reais motivos são outros e os objetivos nada tem haver com justiça e reparação histórica.

A Globo sentiu a força dos protestos nas ruas e inicia uma ofensiva canhestra para tentar "limpar a sua barra". Dizer que a Globo fez um "mea culpa" é um exagero, o que ela faz é reconhecer um fato: a sua profunda crise de legitimidade. Como ela mesmo aponta ao iniciar em seu editorial que: "desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura".

Protesto no Rio de Janeiro em frende a sede da TV Globo.

Manifestantes atiram fezes humanas e retiram logo da Rede Globo na sede da emissora, em São Paulo.
Globo reconhece como um equivoco o apoio ao golpe militar, mas em momento algum pede desculpas a nação por este erro, o máximo que faz é compartilhar a culpa com outros veículos de comunicação que naquela oportunidade adotaram a mesma postura política, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, como se isto fosse, por si só, um legitimador de suas escolhas políticas.

A Globo não faz menção alguma de que suas relações com a ditadura não se resumiram apenas em "apoio ideológico" expresso através de editoriais. Havia uma relação orgânica entre os negócios das empresas de comunicação de Roberto Marinho e o regime militar. Apontamos dois exemplo disso: o acordo "Globo-Time-Life" e as concessões de canais de TV.

A inauguração da TV Globo ocorreu em 26 de abril de 1965. Dois meses depois, Carlos Lacerda denunciou como ilegais as relações da emissora com o grupo norte-americano Time-Life.Três anos antes, um acordo polêmico assinado entre Time-Life e as Organizações Globo, permitiu à empresa brasileira acesso a um capital em torno de 6 milhões de dólares, o que lhe garantiu recursos para comprar equipamentos e montar sua infra-estrutura.  Para compararmos,  a melhor emissora do grupo Tupi tinha sido montada com trezentos mil dólares.

Pelo acordo, o Time-Life teria participação em 30% de todos os lucros aferidos pelo funcionamento da TV Globo. O acordo foi considerado ilegal, pois a Constituição Brasileira naquela época proibia que qualquer pessoa ou empresa estrangeira possuísse participação em uma empresa brasileira de comunicação. Uma CPI chegou a ser instaurada, declarando que a Globo infringira a Constituição. A Globo mostrou a sua força e o ditadura considerou as acusações como infundadas, fechando o inquérito em 1967. A parceria  só foi dissolvida em 1969. Roberto Marinho ficou com total controle da TV Globo, enquanto suas concorrentes Tupi e Excelsior continuaram seu declínio.

Capa de O Globo de 02 de abril de 1964
Foi durante a ditadura que o império da TV Globo se consolidou, através de um esquema de concessões de canais, que eram dados para políticos locais ligados a ditadura militar que retransmitiam a programação da Globo, tornando-se afiliadas da emissora. Com isso, o regime favorecia a si e aos "coronéis" políticos que lhe davam sustentação Assim, a Globo tornou-se ao final da ditadura, a emissora de TV com a maior cobertura nacional, Não por acaso, a Globo era uma espécie de "voz oficial" da ditadura. Levando a sua programação a todos os cantos do país, com um caráter propagandístico de apoio a ditadura, muitas vezes evidente e noutros mais sutis, como no caso das telenovelas. Para quem quiser saber mais sobre este tema, recomendo o livro "A História Secreta da Rede Globo", escrito por Daniel Herz.

Por tanto, a relação da Globo com a ditadura não pode ser resumida apenas a um "equívoco editorial". Seus ataques a democracia e contra os interesses da maioria da população não se resumiram a um "apoio pontual", condicionado por uma conjuntura de "guerra fria". A Globo constitui-se, nestes quase 50 anos que sucederam-se ao golpe como mais do que "apenas" o maior grupo de comunicação do Brasil (e um dos maiores do mundo), mas em um agente ativo da política Brasil, com interesses próprios, que tenta - muitas vezes com sucesso - condicionar e determinar os destinos do país.

Reconhecer um erro não é a mesma coisa que se desculpar e assumir a sua responsabilidade. A Globo tem um histórico criminoso contra os interesses populares que apenas um editorial não irá bastar. Como aponta Emir Sader, "Arrependimento, não. Senão mudariam radicalmente sua linha editorial e informativa. Vergonha, não. Senão mudariam as equipes que os fazem passar vergonha. Conveniência, sim. Para tentar romper o isolamento, a desmoralização, a falta de credibilidade, a crise econômica e a perda acelerada de audiência."
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3 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

A Globo e toda a torcida do Flamengo apoiou o golpe de 64. Tanto é assim que praticamente não houve oposição ao golpe.

Anônimo disse...

O gajo da Maia e seus sofismas. Tá bom, a torcida do Fla, do Grêmio, do Curintia, apoiaram a Ditadura, logo a coitadinha da Globo está absolvida.
Dito deste modo, não sei porque julgaram Hitler e os nazistas em Nuremberg, pois afinal o povo alemão apoiou Hitler e seus comparsas. Hitler tinha apoio popular. Com certeza julgaram os nazistas por "revanchismo", como alegam nossos bravos torturadores do Golpe de 1964.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Uma coisa é 64, corrupção no governo, crise econômica etc. A classe média brasileira e os grandes meios de comunicação apoiaram sim o golpe. Outra coisa é 68 com o AI 5, com endurescimento do regime em tempos de guerra fria.
Eu pertenço a uma geração que foi calada pelo golpe de 64, mas reconheço que parte considerável da população brasileira apoiou sim o golpe militar;