Por Emir Sader
A ideologia que saiu triunfante com o fim da Guerra Fria e a vitória do bloco ocidental promoveu a identidade do capitalismo com dinamismo, modernização, racionalidade, bem estar.
As teses do “fim da história” foram acompanhadas da expectativa de um capitalismo sem crises, de que a “new economy” seria a expressão teórica. Uma ilusão que durou pouco, cruzou a década de 1990, até desembocar numa nova recessão com o fim do boom da informática em 2000.
Porém, as ilusões terminaram definitivamente com a emergência da crise atual do capitalismo, surgida em 2008 e que se prolonga há 5 anos, sem horizonte para seu fim.
De repente, as expressões que passaram a ser projetadas como a apologia da superioridade do capitalismo foram sendo substituídas por uma velha conhecida – a palavra crise. Uma circunstância em que se dissolvem a racionalidade, o dinamismo, a eficácia, o bem estar. Ainda mais que a crise surgiu e se propagou no centro do sistema, abarcando aos países economicamente mais desenvolvidos. Não se trata portanto de uma crise associada a carências, a miséria, a catástrofes naturais e – desta vez – tampouco a guerra. Mas à administração equivocada da economia.
A palavra e a temática mais reiteradas passaram a girar em torno da crise. E, com ela, voltou a imagem soterrada prematuramente de Marx, que foi quem havia consagrado a imagem do capitalismo como um sistema com crises cíclicas, estruturais.
As publicações econômicas, os cronistas econômicos, ministros de economia e dirigentes de organismos financeiros internacionais, se sentiram obrigados a reivindicar a Marx, a reconhecer sua capacidade de captar os mecanismos intrínsecos e reiterados do capitalismo de gerar crises e suas dificuldades para superá-las.
Não sem apressar-se em dizer que ao aceitar certa validade em seus diagnósticos, de forma alguma valem seus remédios: sempre reiterando que se economicamente Marx deve ser levado em conta, politicamente tudo o que disse seria um desastre.
Não há nenhuma possibilidade de compreender o mundo contemporâneo sem a referência central a dois fenômenos incontornáveis: o capitalismo e o imperialismo. O capitalismo, na sua versão liberal e mercantilizada mais extrema, e o imperialismo, na forma da dominação político-militar norte-americana.
A crise econômica atual escancara os traços essenciais apontados por Marx nas suas obras econômicas e n’O capital, em particular. Para Marx, é um elemento estrutural do capitalismo sua extraordinária capacidade de desenvolvimento das forças produtivas – reconhecida por ele já no Manifesto comunista –, contemporaneamente à sua incapacidade de distribuir renda para absorver essa produção.
Todas as crises capitalistas são assim crises de superprodução – ou de subconsumo, conforme se queira chamá-las –, de desequilibro entre a riqueza produzida e a capacidade de gerar consumo correspondente.
A crise atual se iniciou pela explosão da bolha imobiliária – em países como os EUA e a Espanha, por exemplo –, gerada como consumo artificial, sob a forma de pirâmides especulativas, que terminaram explodindo.
Como em toda crise, a natureza irracional do sistema aflora à superfície de maneira incontornável. Falta demanda, mas se destroem empregos, cujos salários poderiam absorvê-la, multiplicando a recessão. Cortam-se recursos para politicas sociais, deixando a abandono os trabalhadores dispensados para poupar gastos das empresas, sobrecarregando o Estado debilitado nos seus encargos.
O equívoco de raiz do neoliberalismo estava no seu diagnóstico de que a economia havia parado de crescer porque havia excessiva regulamentação, que travaria a livre circulação do capital. Implementada a desregulamentação, os investimentos retornariam e todos ganhariam com o crescimento econômico.
Mas o diagnóstico não levava em conta a observação de Marx de que o capital não está feito para produzir, mas para acumular. Se ele encontra melhores condições de acumulação na especulação financeira, ele se transfere para aí. Que foi o aconteceu maciçamente em escala mundial: uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo para o especulativo, promovendo a hegemonia do capital financeiro na sua modalidade especulativa.
O capital financeiro, que havia nascido como apoio da produção, autonomizou-se – como Marx previa na terceiro volume d’O Capital –, sob forma de capital especulativo. O capitalismo passou de um ciclo longo expansivo, do segundo pós-guerra aos anos 1970, a um ciclo longo recessivo desde então.
A compreensão da fisionomia atual do capitalismo só é possível a partir da visão que Marx nos legou sobre as dinâmicas contraditórias do capitalismo. Ler Marx é dotar-se do que melhor o pensamento humanos produziu para compreender a história contemporânea.
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