A xenofobia européia
Por Ignacio Ramonet
Não é surpresa. Organizado por demanda do principal partido da Suíça, a União Democrática de Centro (que já havia conseguido, em 2009, proibir a construção de minaretes), um plebiscito legalizou (por 53% dos votos) a expulsão (ao final da pena) de todos estrangeiros condenado por crimes “graves” (tais como, homicídio, estupro e assalto), mas também proxenetismo e trafico de drogas. Também terá de deixar o país quem simplesmente tiver “recebido abusivamente os benefícios sociais ou não pagar pensão alimentícia”.
É uma nova vitória para a extrema direita na Europa. Pode alimentar tentações semelhantes em outros partidos de ideologias semelhantes. Trará inevitavelmente certas consequências para a União Europeia, à qual a Suíça não pertence, mas com a qual Berna assinou, em 2002, um acordo sobre a livre circulação de pessoas. O que farão os governantes europeus quando a Suíça promover as expulsões, que são claramente dupla pena?
No fundo, a medida traduz, sobretudo, uma crescente inquietude com os imigrantes, acusados de serem a raiz de todos os problemas. É evidente que todas as sociedades têm o direito de definir o que aceitam ou não em seu espaço público. E não seria o caso de o país acolhedor modificar suas praticas em função dos novos habitantes. São estes que devem fazer um esforço de adaptação. Mas a partir destas evidências consensuais, os novos partidos da extrema direita constroem um discurso islamofóbico, expandindo seus círculos de influência e, pouco a pouco, fazendo passar todas as suas propostas extremistas.
Em nome de uma imperativa e abstrata “modernização”, as sociedades europeias são submetidas, há alguns anos, aos terremotos e traumas de uma grande violência. A lógica da competitividade foi elevada ao nível de imperativo categórico. A mundialização econômica, o crescimento da União Europeia, o fim da soberania nacional, a criação do euro, a quebra das fronteiras, a chegada massiva de imigrantes, o multiculturalismo e o desmantelamento do Estado de bem-estar social provocaram, entre muitos europeus, uma perda de referência e identidade. Além disso, tudo foi produzido em um contexto de grave crise financeira, econômica e social, provocando insuportáveis estragos sociais (25 milhões de desempregados, 85 milhões de pobres) e um aumento de todos os tipos de violência.
Diante da brutalidade e a rapidez de tantas mudanças, para muitos cidadãos as incertezas acumulam-se, a névoa cobre o horizonte, o mundo parece opaco e a história parece fugir de qualquer decisão. Muitos europeus sentem-se abandonados pelos governantes (de direita ou esquerda), que a mídia, aliás, não cessa de atacar como empresários fraudulentos, mentirosos e corruptos. Perplexos no centro desse furacão, muitos frustram-se e se agarram ao sentimento de que, como dizia Tocqueville, “o passado já não ilumina mais o futuro, o espirito caminha pelas trevas…".
Sobre tal terreno social – feito de medos, ameaças de desemprego, distúrbios e ressentimentos – reaparecem os velhos mágicos. Com base em argumentos demagógicos, projetam sobre o estrangeiro, o muçulmano, o judeu ou o negro, toda a causa da nova desordem e da sensação de insegurança. Os imigrantes são os alvos mais fáceis, por simbolizarem o transtorno social e representarem, ao olhos do europeu mais modesto, uma concorrência indesejável no mercado de trabalho.
A extrema direita sempre pretendeu tratar as crises designando um único culpado: o estrangeiro. É desolador constatar que essa atitude é hoje encorajada pelas contorções dos partidos democráticos, reduzidos a se interrogar sobre que dose de xenofobia seu discurso poderá incorporar.
Na França, a Front National (FN), de Jean-Marie Le Pen, propôs há algum tempo o culto do sangue e do solo, a restauração da nação (no sentido étnico do termo), o estabelecimento de um regime autoritário para lutar contra a insegurança, o retorno de uma protecionismo econômico não solidário, a volta das mulheres ao lar e a expulsão de três milhões de estrangeiros para liberar os postos de trabalho destinado aos franceses “de fibra”. Apesar de venenoso, esse discurso seduz, há algum tempo, “mais de um quarto dos franceses”.
E para atrair eleitores, o presidente Nicolas Sarkozy lançou, em julho, uma campanha contra os ciganos. O direito europeu impede a expulsão dos cidadãos dos países do bloco. Mesmo assim, o governo francês não hesitou em conduzir até a fronteira, nas duas primeiras semanas de outubro de 2010, 8.601 ciganos romenos: 7.447 “de maneira voluntaria”; 1.154, a força. Alega-se que os acordos da União Européia com a Romênia e a Bulgária, que sacramentaram a adesão desses dois países em 2007, prevêem uma carência de sete anos antes de autorizar a livre circulação de pessoas e que esse prazo não expirou1. É verdade, conforme o direito europeu em vigor. Porém esse mesmo prazo aplica-se, por exemplo, aos húngaros, tchecos e poloneses, que não foram expulsos maciçamente da França… Além disso, Paris alega que cada cigano aceitou sua partida de “maneira voluntaria”, por uma soma de 300 euros… Um “voluntariado” pouco crível. O desmantelamento de acampamentos ciganos não os deixa com outra possibilidade, senão aceitar a “ajuda” de retorno.
A Itália de Silvio Berlusconi procede da mesma maneira. Os acampamentos são regularmente evacuados. Em Milão, por exemplo, o numero de ciganos foi reduzido de dez mil a 1,2 mil… Outros países da União Europeia agem de forma mais discreta. Na Dinamarca, o prefeito de Copenhagen, Frank Jensen (social-democrata), queixou-se do numero de ciganos “envolvidos em assaltos”. Consequência: o governo deportou dez ciganos no começo de setembro, depois de já ter expulso vinte em julho. A Suécia, Áustria e Bélgica agem da mesma forma, mas concentram seus esforços sobretudo sobre os ciganos da Servia, de Kosovo e Macedônia – Estados não membros da União Europeia. Por seu lado, a Alemanha assinou um acordo para deportar cerca de 12 mil ciganos que haviam fugido de seu país no decorrer da guerra de Kosovo. Também a Suíça estabeleceu igualmente um “acordo de retorno” com as autoridades de Kosovo. Na Hungria e em Eslovênia, os ciganos foram recentemente vitimas de ataques mortais…
Essas práticas xenofóbicas são condenadas pelas instâncias internacionais. A Corte Europeia dos Direitos Humanos considera que, pelas suas atitudes contra os ciganos, dois membros da União Europeia (a República Tcheca e a Grécia), violaram direitos humanos. O Comitê da ONU que administra a Convenção Internacional contra todas Formas de Discriminação Racial (CERD), assinala que expulsões forçadas e discriminatórias de ciganos também ocorre na Bulgária, República Tcheca, Grécia, Lituânia e Romênia.
Tais praticas não são necessariamente impopulares. Na França, por exemplo, uma pesquisa indica que 55% dos católicos apoiam as expulsões dos ciganos. Um número cada vez maior de europeus pensa que a integração (em particular dos muçulmanos) é um fracasso, que o discurso sobre “o enriquecimento cultural pela diversidade” não prospera e que seria necessário, portanto, “parar de acolher tantos estrangeiros” (Le Monde, 27 novembro 2010).
A nova xenofobia europeia é expressa de forma tão aberta que diversos de governantes de centro-direita são hoje apoiado por partidos xenofóbicos e nacionalistas. Na Itália, Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca os governantes expressam ou uma coalizão com a extrema direita, ou uma aliança minoritária que sobrevive graças a seu consentimento.
Na Dinamarca, por exemplo, onde teve lugar, em 2006, a “crise das caricaturas de Maomé”, o primeiro-ministro liberal Anders Fogh Rasmussen é aliado, desde 2001, ao Partido do Povo Dinamarquês (PPD, extrema direita) dirigido por Pia Kjaersgaard que construiu sua popularidade numa campanha anti-imigratória, anti-muçulmana em particular. Na Suécia, os Democratas da Suécia (SD, extrema direita) entraram no Parlamento em setembro, ocupando vinte assentos. Seu programa é abertamente “xenofóbico e populista”. Um de seus anúncios na campanha eleitoral – que o Canal TV4 recusou-se a difundir – mostrava um velha senhora sueca andando apoiada sobre um andador. Mulheres com burcas, passavam à sua frente e chegavam antes dela no balcão, para alcançar os benefícios sociais…
Na Áustria, no período das eleições regionais e municipais de outubro, o partido FPÖ (extrema direita), dirigido por Heinz-Christian Strache, progrediu para 27% (14,83% em 2005). Na Holanda, os deputados democrata-cristãos e liberais validaram, por unanimidade, em 5 de outubro, um acordo governamental com o PVV (Partido da liberdade), islamofóbico, de Geert Wilders, que controla vinte assentos no Parlamento. Em troca de seu apoio, o PVV obteve concessões para tratar os assuntos de imigração. A lei que proíbe o uso da burca será votada nos próximos meses.
Na Itália, a nova lei de segurança, promulgada pelo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, permite a formação das “patrulhas cidadãs”, controladas pela extrema direita. Já são mais de duas mil. Constituem-se de voluntários, pertencentes à Liga do Norte, de Umberto Bossi, ou ao Movimento Social Italiano – Direita Nacional (MSI-DN). Os militantes usam vestimentas paramilitares: camisa cáqui, calças cinzas e bonés pretos com logo da águia imperial romana… Seu objetivo declarado é: “Salvar a integridade nacional” e “limpar” as cidades e vilarejos de “imigrantes indesejáveis”.
Muitos países europeus decidiram limitar as “práticas culturais” dos muçulmanos. França e Bélgica, por exemplo, votaram leis contra o uso do véu, burca ou niqab. Esses países proíbem agora qualquer rosto “mascarado ou dissimulado, em parte ou por inteiro, nos meios públicos”. Mesmo que as estratégias divirjam, essa questão influencia igualmente outros Estados europeus. Na Dinamarca, o uso do véu por inteiro é, desde 2010, limitado em espaços públicos. Na Holanda, há vários projetos para proibi-los, especialmente na esfera educacional e pública. Barcelona, a segunda cidade da Espanha, está preste de proibir a burca e o niqab em edifícios municipais, como já foi decidido em algumas cidades da Catalunha.
Na Alemanha, sob a pressão de seu partido, CDU (democrata-cristão), que exige uma atitude mais dura sobre a imigração, principalmente contra os muçulmanos, a chanceler Angela Merkel afirmou, em 17 de outubro, que “o conceito de sociedade multicultural alemã fracassou”. Merkel lançou uma advertência aos imigrantes: “Aquele que não aprender imediatamente o alemão, não é benvindo”. Suas declarações são reforçadas pelo presidente do lander de Hesse, Volker Bouffer, barão da CDU: “O Islã não pertence à república”. O presidente do grupo parlamentar da CDU, Volker Kauder, declarou também: “O islamismo não responde às exigências de nossa Constituição, fundada sobre nossa tradição judaico-cristã”. Mais de um terço dos alemães estimam que seu país estaria melhor sem os muçulmanos, 55% declaram ver os muçulmanos como pessoas “desagradáveis” e 58% estimam que “seja preciso proibir as praticas de sua religião”.
Em toda União Europeia, em 2010, avançaram muito as posições extremistas, inclusive “antidemocratas e racistas”, bem como a aceitação do darwinismo social. O “potencial antidemocrático” da sociedade pode ser medido agora, na Europa, pelo termômetro da islamofobia.
Segundo um estudo conduzido pela Fundação Friedrich Ebert, e publicado em 13 de outubro, a atual crise econômica “deslocou para direita o espaço politico” europeu e põem concepções extremistas no centro do discurso eleitoral. A xenofobia expressa-se agora de maneira desinibida. Tudo faz temer que – como nos EUA com o populismo do Tea Party – as ideias politicas radicalizem-se à direita. E terminem por ameaçar a democracia.
1- A livre circulação de trabalhadores dá a todo cidadão da União Europeia (UE) o direito de trabalhar e viver em qualquer país do bloco. Esta liberdade fundamental, instituída pelo artigo 39º do tratado CE, permite:
• Buscar trabalho em outro país;
• Lá trabalhar sem precisar de uma licença de trabalho;
• Lá viver com este objetivo;
• Lá permanecer mesmo terminar o trabalho;
• Beneficiar-se do mesmo tratamento dispensado aos cidadãos desse país no que concerne ao acesso ao emprego, às condições de trabalho, e a quaisquer outras vantagens sociais ou fiscais capazes de facilitar a integração no pais de acolhimento
Os cidadãos búlgaros, tchecos, estões, lituanos, húngaros, poloneses, romenos, eslovenos e eslovacos podem encontrar algumas restrições para trabalhar em outros países. No entanto, essas restrições não devem exceder um período de sete anos a partir da adesão destes países à UE (Bulgária e Romênia entraram em 1º de janeiro de 2007, todos os demais em 1º de maio de 2004).
* Ignacio Ramonet é jornalista, sociólogo e foi diretor do Le Monde Diplomatique entre 1990 e 2008.
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