WikiLeaks - Vazamento de mensagens causa crise diplomática global


US embassy cables leak sparks global diplomatic crisis

28/11/2010, do jornal britânico Guardian
Tradução do coletivo da Vila Vudu, com colaboração do Viomundo

Os EUA foram lançados em uma crise diplomática mundial com o vazamento, para o jornal britânico Guardian e outros veículos internacionais, de mais de 250 mil telegramas secretos de embaixadas dos EUA, alguns dos quais enviados em fevereiro de 2010.
Na primeira matéria de uma série sobre telegramas diplomáticos diários enviados pelas embaixadas dos EUA e classificados como “secretos” o Guardian já pode informar que líderes árabes têm pressionado privadamente em defesa de ataque aéreo contra o Irã e que funcionários de embaixadas dos EUA receberam instruções para espionar líderes da ONU.
Essas duas primeiras revelações já reverberam em todo o mundo. Mas os telegramas secretos aos quais WikiLeaks teve acesso também revelam avaliações feitas por Washington sobre várias outras questões internacionais altamente sensíveis.
Entre os telegramas vazados há notícias de importante alteração nas relações entre China e República Popular Democrática da Coreia, sobre a crescente instabilidade no Paquistão e detalhes dos esforços clandestinos dos EUA para combater a al-Qaeda no Iêmen.
Dentre centenas de outras revelações que causarão furor em todo o mundo, os telegramas detalham:
• Grave temor em Washington e Londres sobre a segurança do programa nuclear do Paquistão, com autoridades alertando que enquanto o país corre o risco de colapso econômico, funcionários públicos poderiam contrabandear material nuclear suficiente para terroristas construirem a bomba;
• Suspeitas de corrupção no governo afegão, com um telegrama alegando que o vice-presidente Zia Massoud estava carregando 52 milhões de dólares em dinheiro quando foi parado durante uma visita ao Emirados Árabes Unidos. Massoud nega que tenha tirado dinheiro do Afeganistão.
• Como os ataques de hacker que forçaram o Google a abandonar a China em janeiro foram orquestrados por um membro importante do Politburo, que deu uma busca com seu nome na versão global do buscador e encontrou artigos que o criticavam pessoalmente.
• A extraordinariamente próxima relação entre Vladimir Putin, o primeiro-ministro russo, e Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro italiano, que está causando intensa suspeição nos Estados Unidos. Os telegramas detalham de  supostos “presente suntuosos” a contratos lucrativos no setor de energia e o uso, por Berlusconi, de um sombrio italiano que fala russo como intermediário.
•  Alegações de que a Rússia e seus serviços de inteligência estão usando chefes da máfia para praticar operações criminosas, com um telegrama falando que a relação é tão próxima que o país se tornou “um virtual estado mafioso”.
• Críticas devastadoras das operações militares britânicas no Afeganistão por comandantes militares dos Estados Unidos, pelo presidente afegão e por autoridades locais de Helmand. Os despachos revelar desprezo particular pelo fracasso de dar segurança a Sangin — a cidade que custou mais baixas britânicas que qualquer outra no país.
• Declarações imprópria de um integrante da família real britânica sobre uma agência de segurança do Reino Unido e um país estrangeiro.
Os EUA têm contatos particularmente íntimos com a Grã-Bretanha e alguns dos telegramas saídos da embaixada de Londres em Grosvenor Square serão lidos com extremo desconforto em Whitehall e Westminster. Incluem desde sérias críticas políticas contra David Cameron até pedido para que a embaixada fornecesse informações especiais de inteligência sobre membros do Parlamento britânico.
O arquivo de telegramas inclui denúncias específicas de corrupção contra líderes estrangeiros, e duras críticas, feitas pelo pessoal diplomático de embaixadas dos EUA, aos governantes de países onde estão instaladas, desde pequenas ilhas do Caribe até a China e a Rússia.
O material inclui uma referência a Vladimir Putin como “um cão alfa”, a Hamid Karzai como doido, “homem de reações paranóicas” e a Angela Merkel, da qual os norte-americanos dizem que “evita riscos e raramente tem alguma ideia criativa”. E há telegrama em que Mahmoud Ahmadinejad é comparado a Adolf Hitler.
Os telegramas incluem nomes de países envolvidos no financiamento de terroristas e descreve “quase desastre ambiental” há cerca de um ano, com uma carga de urânio enriquecido de um “estado bandido” [ing. “rogue state”]. Há telegramas em que se expõem detalhadamente negociações secretas entre EUA e Rússia sobre um míssil nuclear em Genebra; há também um perfil do líder líbio Muammar Gaddafi, o qual, segundo diplomata dos EUA, andaria por toda parte acompanhado de uma “voluptuosa loira” enfermeira ucraniana.
Os telegramas cobrem as atividades da secretária de Estado Hillary Clinton no governo Obama, e há milhares de arquivos do governo de George Bush. A secretária Clinton comandou pessoalmente essa semana uma tentativa frenética de limitação de danos em Washington, preparando governos estrangeiros para as revelações. Contatou líderes na Alemanha, Arábia Saudita, no Golfo, na França e no Afeganistão.
Embaixadores dos EUA em outras capitais foram instruídos a informar antecipadamente seus respectivos hospedeiros sobre os vazamentos e sobre relatos pouco lisonjeiros ou relatórios cruamente francos de transações entre eles e os EUA, que foram escritos para serem mantidos sob eterno sigilo. Washington enfrenta agora a difícil tarefa de convencer contatos em todo o mundo de que, no futuro, alguma conversação será mantida sob regras confiáveis de sigilo.
“Estamos nos preparando para o que vier e condenamos WikiLeaks pela divulgação de material secreto”, disse o porta-voz do departamento de Estado PJ Crowley. “Porão sob ameaça vidas e interesses. É atitude irresponsável”.
O conselheiro jurídico do Departamento de Estado escreveu ao fundador de Wikileaks Julian Assange e a seu advogado londrino, advertindo que os telegramas foram obtidos por meios ilegais e que a divulgação geraria risco a vida de incontáveis inocentes (…) a operações militares em andamento (…) e à cooperação entre países”.
O arquivo eletrônico contendo os telegramas diplomáticos de embaixadas dos EUA em todo o mundo, ao que se sabe, foi recolhido por um soldado norte-americano no início do ano e entregue a WikiLeaks. Assange repassou o arquivo ao jornal britânico Guardian e a quatro outros jornais: o New York Times, Der Spiegel na Alemanha, Le Monde na França e El País na Espanha. Os cinco jornais planejam publicar excertos dos telegramas mais significativos, mas decidiram nem divulgar o arquivo completo nem publicar nomes que ponham em risco a vida de indivíduos inocentes. WikiLeaks diz que, ao contrário do que teme o departamento de Estado, também planeja divulgar só alguns excertos de telegramas e encobrir as identidades.
Os telegramas divulgados hoje revelam como os EUA usam suas embaixadas como parte de uma rede global de espionagem, com diplomatas encarregados de arrancar não só informações dos seus contatos, mas também detalhes pessoais, como números e detalhes de cartões de créditos, de telefones e, até, material para exames de DNA.
Instruções secretas sobre “inteligência humana” assinadas por Hillary Clinton ou sua antecessora, Condoleeza Rice, instruem os funcionários a reunir informações sobre instalações militares, detalhes de armas e veículos de líderes políticos, além de scans de íris, impressões digitais e DNA.
Os mais controversos alvos dessas ações são os líderes da ONU. Essa específica instrução exigia especificação de “sistemas de telecomunicações e de tecnologia de inteligência usados pelos mais altos funcionários da ONU e respectivas equipes e detalhes das redes VIP privadas usadas para comunicação oficial, incluindo upgrades, medidas de segurança, senhas e chaves pessoais de decodificação”.
Quando o Guardian informou Crowley sobre o conteúdo dos telegramas específicos, o porta-voz do departamento de Estado disse: “Permita-me garantir a você: nossos diplomatas são apenas isso, diplomatas. Não se envolvem em atividades de inteligência. Representam nosso país em todo o mundo, mantêm contatos abertos e transparentes com outros governos e com figuras do mundo privado e reportam ao nosso governo. É o trabalho dos diplomatas há centenas de anos.”
Os telegramas também lançam luz sobre questões diplomáticas mais antigas. Um telegrama, por exemplo, revela que Nelson Mandela ficou “furioso” quando um alto conselheiro impediu que ele se encontrasse com Margaret Thatcher para explicar por que o Conselho Nacional Africano tinha objeções à política britânica de “engajamento construtivo” com o regime do apartheid.
“Entendemos que Mandela desejasse muito encontrar-se com Thatcher, mas [o secretário Zwelakhe] Sisulu argumentou persuasivamente contra o encontro”, segundo o telegrama. E continua: “Mandela já várias vezes dissera o quanto desejava encontrar-se com Thatcher para manifestar as objeções co CNA à política britânica. Surpreendeu-nos portanto que o encontro não tenha acontecido em sua visita a Londres em meados de abril e desconfiamos que os linhas-duras do CNA intrometeram-se nos planos de Mandela”.
Os telegramas diplomáticos dos EUA levam a marca “Sipdis” – secret internet protocol distribution. Foram compilados como parte de um programa que seleciona telegramas considerados moderadamente secretos, mas que podem ser partilhados com outras agências e os descarrega automaticamente nos websites protegidos das embaixadas, e linkados com o sistema de internet Siprnet militar.
São classificados em vários níveis, até “SECRET NOFORN” [ing. no foreigners, “proibidos para estrangeiros”]. Mais de 11 mil telegramas são marcados como “secretos e cerca de 9,000 são “noforn”. As embaixadas de origem da maioria dos telegramas são Ancara, Bagdá, Amã, Kuwait e Tóquio.
Mais de 3 milhões de funcionários e soldados norte-americanos, muitos deles extremamente jovens, têm credencial que lhes dá possibilidade de acesso a esse material, apesar de os telegramas conterem nomes e identificação de informantes estrangeiros e contatos considerados sensíveis em regimes ditatoriais. Alguns dos telegramas são identificados como “protegido” ou “estritamente protegido”.
Na primavera passada, um analista de inteligência de 22 anos, Bradley Manning, foi acusado de ter vazado muitos desses telegramas, junto com um vídeo em que se via a tripulação de um helicóptero Apache matando dois repórteres da agência Reuters em Bagdá, em 2007; material que, depois, foi distribuído por WikiLeaks. Manning está preso e é provável que seja julgado por uma corte marcial. (…)
Um ex-hacker, Adrian Lamo, que denunciou Manning às autoridades norte-americanas, disse que o soldado lhe dissera, em mensagens por chat, que os telegramas diplomáticos mostravam “como o primeiro mundo explora o terceiro, em detalhes”.
Disse também, segundo Lamo, que Clinton “e vários milhares de diplomatas em todo o mundo vão ter um ataque do coração quando acordarem, um belo dia, e descobrirem que todo o arquivo de toda a política externa está acessível ao grande público, em formato que permite pesquisas” (…) “onde quer que haja um posto norte-norteamericano, ali há um escândalo diplomático que será revelado”.
Perguntado sobre por que material tão sensível circulava em rede acessível a milhares de funcionários do governo, o porta-voz do departamento de Estado disse ao Guardian: “Os ataques de 11/9 e o período imediatamente posterior revelaram falhas no sistema de distribuição de informações dentro do governo. Desde os ataquea de 11/9, o governo dos EUA tomou medidas para facilitar significativamente a partilha de informações. Esses esforços visaram a oferecer aos especialistas da diplomacia, aos militares e aos agentes de inteligência e da justiça acesso mais rápido e mais fácil a mais dados, para que pudessem fazer seu trabalho com mais eficácia”.
E acrescentou: “Temos tomado medidas agressivas nas últimas semanas e meses para aumentar a segurança de nossos sistemas e para evitar vazamento de informações”.

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