Por Arturo Cano - La Jornada (em Carta Maior)
José Serra toma seu lugar no palco, arregaça as mangas de sua eterna camisa azul e se mete nos papéis que leva consigo. Concentrado em sua leitura, nunca volta a ver os oradores. Ele, que julga ter sido o melhor ministro da Saúde que o Brasil já teve, deve conhecer de memória todos os dados que os funcionários encarregados citam no microfone. Tanto que segue em seus papéis. É possível que revise os dados que citará no breve discurso que pronunciará pouco depois, com esse tom de professor autoritário que seus adversários gostam de sublinhar.
No entanto, a julgar por seu rosto neste ato da campanha, com funcionários e empregados da saúde, também pode estar repassando os gráficos de sua derrota. Todo um caso de estudo para os especialistas, pois Serra, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), conseguiu a proeza de perder 190 mil votos por dia, desde a data de início da disputa oficial, algo como 15 milhões de votos em 40 dias de horários gratuitos de rádio e televisão.
O auditório onde ocorre o ato tem várias regiões vazias. Os assistentes, funcionários e empregados de hospitais públicos e privados, muitos deles ligados a igrejas, como provam os padres e freiras com suas bandeirinhas do tucano – símbolo do PSDB – só se entusiasmam quando Geraldo Alckmin é apresentado, candidato ao governo de São Paulo, ligado a Opus Dei e candidato nas eleições presidenciais de 2006, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito.
O ato ocorre num enorme centro de convenções, onde o maior número de visitantes está na vizinha exposição de instrumentos musicais.
Sua adversária, Dilma Rousseff, esteve com Lula 20 vezes em seus atos e comícios de campanha. Serra nunca foi acompanhado pelo líder honorário de seu partido e ex-presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, com quem trabalhou desde os anos de exílio.
Do exílio à antipatia
José Serra era um promissor líder estudantil quando, em 1964, os militares brasileiros deram um golpe de estado. O presidente da União Nacional dos Estudantes pôde fugir para o Chile, depois de algumas peripécias.
Neste país segue seus estudos e trabalha para a Comissão Européia para a América Latina e Caribe. Também durante esses anos colabora com Fernando Henrique Cardoso, que nos anos futuros o chamaria para ser ministro.
O golpe de estado de 1973 no Chile obriga a Serra a ir aos Estados Unidos. Ele faz o doutorado na Universidade de Cornell e dá aulas em Princeton.
Na biografia oficial, que os maiores jornais do Brasil ecoam, sublinha-se que Serra é filho de um imigrante italiano que vendia numa quitanda e que nasceu e cresceu na Mooca, o bairro italiano do leste de São Paulo.
Seu passado de filho de um imigrante e vendedor de fruta numa quitanda foi sublinhado na biografia oficial de Serra, que os jornais ecoam talvez para marcar a diferença com a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff que, segundo a revista Veja, viveu sua infância numa casa espaçosa com três empregados, num bairro de classe média alta.
Francisco de Oliveira, professor emérito da Universidade de São Paulo, disse que Serra sempre ocultou sua origem. Agora a usa, mas isso não tem a menor importância política.
Além de sua formação acadêmica, Serra, de 68 anos, tem uma longa história de cargos públicos. Depois de seu regresso ao Brasil, após 14 anos de exílio, foi deputado federal, senador duas vezes, ministro, governador do estado de São Paulo e candidato a presidente duas vezes. Por outro lado, Rousseff nunca havia pleitado um cargo pela via da eleição popular.
Quando se observa Serra metido com seus papéis, órfão de sorriso, tende-se a crer que o que o professor Chico Oliveira disse é verdade. Ele tem uma vocação autoritária muito grande, sempre fala num tom doutoral e é muito antipático pessoalmente.
“Um presidente não necessita de padrinho”
"O Brasil pode mais" é o nome da coalizão eleitoral que Serra encabeça. Ao pôr esse nome, o candidato pretendia indicar ao eleitorado que sua larga experiência era a melhor garantia de continuidade, frente à improvisada Rousseff.
Foi assim que, no início de sua campanha se deu ao luxo de mostrar-se nas propagandas da televisão em fotografias ao lado do presidente Lula, em parte para aproveitar-se de sua popularidade (80% ao término de dois períodos presidenciais ajudam a qualquer um). Mas até dentro de seu próprio partido a jogada, abandonada em seguida, é vista como uma forma de tomar distância do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, que terminou a sua presidência em 2003, com uma popularidade de 47%.
A estratégia resultou falida e o lema "o Brasil pode mais" se mantém agora em letras pequeninhas na propaganda do PSDB. Foi alterada para "É hora de mudança".
Em seus comerciais, órfãos de imagens em que não sorri, Serra enumera sua larga trajetória em cargos públicos: me preparei para ser presidente. Não usa mais a fotografia do presidente Lula, mas trata de desmascarar-se: um presidente não precisa de padrinho.
Chico de Oliveira, que trabalhou 12 anos no mesmo centro de pesquisa em que Fernando Henrique Cardoso, conhece Serra bem. É, sem dúvida, o mais preparado de todos, mas como político é um fracasso.
Parte desse fracasso são suas promessas de última hora. Enquanto a candidata da esquerda fala de aumentar o salário mínimo gradualmente, para chegar aos 600 reais em 2014, Serra oferece um aumento imediato, além de um aumento de 10% nas aposentadorias e um décimo terceiro ao Bolsa Família. O candidato liberal levantando bandeiras populistas.
Se houver segundo turno buscarão alianças
Em seu partido já é acusado de ser o principal responsável por uma derrota histórica. O Brasil corre o risco de se converter numa democracia popular, e Lula, de adquirir o perfil de um caudilho, disse Cardoso, que hoje oferece seus serviços como ponte para conseguir a unidade das candidaturas de Serra e Marina Silva, do Partido Verde, e terceira nas pesquisas, em caso de Rousseff não superar os 50% dos votos válidos e haver segundo turno.
Esse é o debate do momento, que esquenta a publicação de pesquisas. O Datafolha, ligado ao jornal de maior circulação, dá à candidatura oficialista 46% dos votos, e 28% a Serra e 14% a Silva. Aumenta a chance de segundo turno, é a manchete do jornal.
À tarde, o Vox Populi/Band/Ig publica seus resultados; 49% para a candidata do PT, 25 para Serra e 12 para Marina (que detém seu crescimento nos últimos dias).
Os jornais e as agências publicam ao longo do dia informações sobre o possível segundo turno, ainda que os mesmos institutos de pesquisas dêem a Rousseff, depois de descontar os votos brancos e nulos, entre 51 e 55% dos votos válidos.
Tanto Serra como seu candidato a vice, Índio da Costa, celebram no twitter: "Datafolha: Dilma cai novamente: 46%. Nosso esforço é fundamental nesta resta final. Conquiste um voto para Serra 45!"
Por ora, os analistas e mesmo os líderes do PSDB só vêm o desastre chegar. Até o ex-presidente Cardoso tirou o corpo fora. Não só tem estado ausente dos atos de campanha, como deu por fato, no britânico Financial Times o triunfo de Rousseff. Na revista Istoé arrematou sobre o aspirante de seu partido: a campanha de Serra não está em sintonia com o Brasil. Com esses amigos...
Tradução: Katarina Peixoto
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