O Lado Mais Obscuro de Crepúsculo

Racismo, Hierarquização e a Romantização de Relacionamentos Não Saudáveis

Texto: Ella, do Twilight Sucks
Tradução: Anísio e Jamille
Revisão: Giovanna pescado em http://twilighthatersbrasil.wordpress.com/



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A série de romance adolescente de Stephenie Meyer, conhecida como a saga Crepúsculo, é um fenômeno da cultura popular. Ao redor de todo o mundo, garotas estão se apaixonando por Edward Cullen, e pela estória de seu amor imortal por Bella Swan.
Entretanto, por trás da adocicada estória de amor de Crepúsculo, existe uma série de livros que reproduz paradigmas racistas, hierárquicos e sexistas, espalhando-os pela sua legião de jovens fãs pelo mundo.
Romances tem impacto sobre as expectativas e o comportamento de quem os consome. Eles apresentam a construção do homem ideal, do relacionamento ideal, e dos comportamentos esperados das mulheres nesses relacionamentos.
Em um estudo focado em universitárias, a pesquisadora Huei-Hsia Wu percebeu que “A maioria dos romances provem valores constrangedoramente patriarcais. Assim, a leitura de romances torna-se um modo de moldar a pessoa, a identidade sexual, e as atitudes e comportamento relacionados ao patriarcado” (Wu 2006).
O efeito dos romances não se limita às universitárias. Um estudo anterior, citado por Wu, evidenciou que “leitoras Indianas pensavam em romance fictício [Ocidental] como manuais modernos de sexualidade” (Paraneswaran 2002).
Atravessando países e culturas, romances servem como veículos que exportam uma idéia Ocidental e patriarcal de sexualidade. A série Crepúsculo é direcionada às leitoras jovens, cujos interesses e expectativas sobre o amor e relacionamentos ainda estão se formando. Sua influência se espalha em inúmeros países por conta de sua imensa popularidade.
De acordo com um artigo de Agosto no Roanoke Times, as séries tem 7.5 milhões de cópias impressas e foram publicadas em 37 países (Hutkin). Esses números são de antes do lançamento da última parte das séries, a qual vendeu 1.3 milhão de cópias no primeiro dia (Memmott). A adaptação cinematográfica do primeiro livro recebeu U$ 69.637.740 durante seu fim-de-semana de estréia (“Crepúsculo”).
Por causa de seu status como um fenômeno internacional, garotas no mundo todo ficaram encantadas com a série. Para muitas fãs, Edward Cullen é seu homem ideal, porque afinal de contas, Edward é “perfeito”. Mas o que exatamente significa ser“perfeito”?
Em termos de raça, perfeição, no mundo de Crepúsculo, significa ser branco.Os vampiros em Crepúsculo são descritos como ultra brancos e apresentados como uma raça superior: mais rápidos, mais fortes, e mais bonitos que humanos; basicamente melhores em tudo.
A própria Meyer já disse ser “anti-humanos”. Essa observação vindo em resposta às declarações de que os livros são anti-feministas porque Bella é fraca, a resposta de Meyer: ‘No máximo, sou anti-humanos”, implica que Edward é melhor que Bella não apenas por causa do gênero, mas porque vampiros são superiores a humanos. A aparência superior do vampiro é focada extensivamente no romance e é descrita como conexão por ser mais branco do que os humanos normais. Quando uma pessoa se torna um vampiro, eles se tornam extraordinariamente atraentes, e se são pessoas de cor, eles tornam-se brancos:
“Elas eram, sem sombra de dúvida, as três mexicanas mais bonitas que eu já vira na vida. Tinham pele tão clara que me lembro de me maravilhar com isso. Até a menina baixa de cabelos pretos, cujas feições eram claramente mexicanas, era de porcelana ao luar. (Meyer, Eclipse 213).
A garota mexicana é bonita porque tornar-se uma vampire permitiu-a parecer branca, implicando que ter pele de porcelana é linda e perfeita, enquanto ter a pele mais escura é inferior. Quando mulheres de cor lêem esse livro nos Estados Unidos ou em outros países, ele manda uma mensagem de que pessoas não-brancas são inferiores porque eles não parecem com os vampiros do romance. Leitores não-brancos não podem sequer se identificar com a protagonista humana Bella, cujas características foram deliberadamente vagas, para permitir que o leitor as justaponhas por si mesmo, porque a única coisa da sua aparência que é clara é que ela é branca.
De fato, todos no livro exceto os indígenas da reserva de La Push são brancos. Em contextos racistas, o grupo oprimido é geralmente apresentado como o “outro”, enquanto o grupo dominante é a “norma”. Nestes romances, os membros da tribo Quileute – os únicos personagens apresentados que não são brancos – são descritos como literalmente desumanos. Ao invés de serem seres humanos, “as lendas contam que (a tribo Quileute) descende de lobos” (Meyer, Crepúsculo 124).
Porque são descendentes de lobos, todos os persogens principais que são nativo-americanos são lobisomens. As únicas minorias presentes na série são literalmente uma espécie a parte, o que sugere que quem não é branco é menos que humano. Além do mais, apesar de vampiros e lobisomens serem desumanos, os lobisomens são mais selvagens que vampiros. Edward se opõe à proximidade de Bella a Jacob porque lobisomens podem facilmente perder o controle de si mesmos. Os indígenas de peles escuras não podem controlar seus desejos mais profundos, enquanto o super vampiro branco pode. Apesar de nunca atacar Bella na forma de lobo, Jacob abusa sexualmente dela ao forçar um beijo, personificando o estereótipo do agressor sexual de pele escura. Novamente, isso constrasta com Edward, que é casto até seu casamento com Bella, e nunca perde o controle por causa de seus desejos sexuais.
No geral, a série Crepúsculo define normalidade nos termos de se ser branco, e perfeição nos termos de ser ainda mais branco, enquanto apresenta pessoas de cores diferentes como inferiores e desumanas, alimentando diversos estereótipos racistas.
Não é de se surpreender que as minorias inferiores são mostradas vivendo em pobreza, enquanto os vampiros brancos aproveitam de uma riqueza obscena. A casa de Jacob Black é descrita como “uma casinha de madeira com janelas estreitas, a tinta vermelha desbotada deixando-a parecida com um celeiro minúsculo.” (Meyer, Lua Nova 112).
As palavras “casinha”, “estreitas” e “minúsculo” enfatizam que a casa não é ampla. A descrição da tinta como “sombria” sugere que esta encontra-se envelhecida. O uso da palavra “celeiro” implica que o local é mais adequado para animais do que para pessoas. Isso é um contraste agudo à casa dos Cullen, que “tem uma leve pintura de branco, três andares retangulares e bem divididos.” (Meyer, Crepúsculo 321).
Até a casa dos Cullen é descrita com termos de brancura, assim como o nome dos personagens líderes da minoria são descritos com termos de conotação de pele mais negra. Além disso, pobreza é apresentada como uma norma da minoria, enquanto extrema riqueza é outro traço que faz dos Cullen superiores aos outros no romance.
Em termos de classe, riqueza é relacionada a perfeição na série de Crepúsculo. Antes de Bella sequer conhecer Edward, ela repara no automóvel caro dele. “O carro mais legal era um Volvo brilhante, e ele chamava a atenção” (Meyer, Crepúsculo 14). O carro diferencia Edward de todas as outras pessoas de Forks porque ele e os demais Cullen são mais ricos que elas.
Conforme a história se desenrola, fica claro que os Cullen são mais ricos do que a maioria das pessoas em geral. Eles são donos de uma ilha no litoral da América do Sul e são capazes de comprar produtos que não são acessíveis ao público em geral, como uma TV de tela plana que foi apenas lançada na Coreia e uma Mercedes de luxo que “nem saiu na Europa ainda” (Meyer, Breaking Dawn 6).
Claramente, os Cullen são da classe social mais alta imaginável. A classe alta os faz mais superiores que até mesmo os outros vampiros. Os vampiros maus de Crepúsculo, os nômades, são descritos como vestindo “roupas… rasgadas… gastas, e [estando] descalços”.
Ao contrário dos Cullen, os nômades não possuem nada, e suas roupas sugerem que não tem riquezas materais. Enquanto os ricos Cullen são civilizados e bons, tais vampiros são assassinos selvagens. Logo, bens materiais são associados à bondade e à civilidade, enquanto a falta de riqueza é apresentada em um contexto de selvageria e maldade.
Ao longo da História, classes mais baixas tem sido apresentadas como imorais. Essa visão tem sido utilizada para justificar a opressão sistematizada por parte das classes dominantes no papel de seus superiores morais. A saga de Crepúsculo reproduz os mesmos paradigmas hierarquizantes, demonizando classes mais baixas enquanto exalta os ricos.
Mesmo a construção de raça e classe em Crepúsculo sendo perturbadora, o centro da série é o romance entre Bella e Edward. A construção de gêneros na série é de suma importância ao examinarmos o que a série de livros apresenta como romance perfeito. O relacionamento ideal mostrado por Crepúsculo não é saudável, é caracterizado por abuso, controle e obsessão, e o gênero é construído em termos de que homens são como figuras paternas e mulheres, crianças dependentes.
As bases do ‘amor’ de Edward e Bella um pelo outro são a obsessão e paixão cega. Edward persegue Bella, entrando em seu quarto para vê-la dormir sem que ela saiba, antes de eles começarem a namorar. Bella está tão obcecada por Edward que quando ele a deixa em “Lua Nova”, ela torna-se catatônica por quatro meses, e então começa a pôr-se em perigo, para que possa ter alucinações com a voz dele.
No seu livro ‘Mas Eu O Amo: Protegendo Sua Filha Adolescente de Relacionamentos Abusivos e Controladores (But I love him: Protecting Your Teen Daughter From Controlling, Abusive Dating Relationships), a psicoterapeuta Dra. Jill Murray descreve esse tipo de relacionamento como “viciante”. Em Crepúsculo, Edward chama Bella de sua“dose de heroína” (Meyer, Crepúsculo 268), uma frase imortalizada por muitas fãs, que a acham romântica. O relacionamento também é literalmente discutido em termos de vício em Eclipse, quando Bella diz o porquê de amar Eward mais que a Jacob.
Além de ser um relacionamento doentio baseado num vício obsessivo, o relacionamento de Edward e Bella exibem vários sinais de abuso emocional. A Dra. Murray descreve esses sinais em seu livro, e eles incluem: a mulher tendo seu tempo monopolizado, isolamento dá família e amigos, dizer “eu te amo” cedo demais, destruição/roubo de objetos queridos, manipulação e interrogatórios.
Edward Cullen apresenta todos esses comportamentos.
Bella e Edward passam juntos todo o tempo que tem. Bella passa a não se interessar mais em passar tempo como seus amigos humanos ou com sua família porque quer ficar com Edward. Bella e Edward declaram o amor que sentem um pelo outro no primeiro encontro, sendo que eram amigos há menos de uma semana.
Em Lua Nova Edward invade o quarto de Bella e rouba vários de seus pertences. Edward também ameaça se suicidar porque não pode viver sem Bella, em Eclipse, e sua a transformação em vampira para manipular Bella a se casar com ele, entre várias outras formas de manipulação. Finalmente, em Eclipse, ele faz mais do que interrogar Bella por visitar Jacob, impedindo-a de fazê-lo ao providenciar que sua irmã a capture e vandalizando o caminhão dela para impossibilitá-la de visitar o outro rapaz.
Todo esse comportamento é dado como o epitome de romance.
O comportamento de Edward é justificado nas series porque ele faz o que é melhor para Bella, e se encaixa no papel dos gêneros construídos no romance. Na série Crepúsculo, as mulheres assumem o papel de crianças, e os homens de seus pais, que protegem e servem como figura autoritária.
De fato, alguns dos relacionamentos “ideais” apresentados no romance são literalmente como a de um pai para uma filha. A relação entre o adolescente Quil e Clair é maravilhosa porque, para ela, semear amor pelo costume o fará “tornar-se o que ela precise que ele seja; seja um protetor, ou um amante, ou um amigo, ou um irmão. Quil será o melhor, o mais gentil irmão que qualquer criança já teve… E mais tarde, quando ela for adulta, eles serão felizes… Ele será o par perfeito.” (Meyer, Eclipse 132-133)
Presume-se que a relação de Jacob com o então nascido bebê Renesme será similar. Um par perfeito, no mundo de Meyer, é alguém que funciona como uma figura autoritária mais velha. A mesma dinâmica aplica-se a Edward e Bella, onde Edward, que é quase um século mais velho que Bela, de muitas forma funciona como um pai para ela. Ele a força a matricular-se em certas faculdades, controla o que ela faz e quem ela vê, para o próprio bem dela, e deseja dar-lhe conforto financeiro em forma de coisas caras e oferecendo-se para pagar pelo seu ensino superior.
Em ambos os casos dos protagonistas e do “par perfeito” criado através de um costume, o romance é apresentado em termos de construção de gênero onde a mulher é mais ingênua e o homem, mais parternal.
A Série Crepúsculo é considerada por vários fãs a maior história de amor já contada. Seus interesses amorosos, Edward Cullen e Jacob Black (que ao final da série se apaixona – via imprinting – com um recém-nascido) são os namorados fictícios dos sonhos que muitas meninas mundo afora desejam ter. Essas jovens leitoras moldam seus desejos e expectativas de acordo com o que é apresentado nos livros.
O resultado: essas jovens mulheres podem inconscientemente adotar as visões racistas, hierarquizantes e sexistas que estão contidas neles. Muitas fãs se recusam a ver falhas nos livros e em seus protagonistas do sexo masculino, e é aterrorizante pensar no efeito que isto pode ter nos relacionamentos futuros delas.
Texto Original: http://twilightsucks.proboards.com/index.cgi?board=twilight&action=display&thread=5480&page=1

Um comentário:

Anônimo disse...

aff que alienação é essa sobre cor de pele?? È o branco teoricamente colocado na historia como melhor ou os morenos, mestiços e negros que vivem a se inferiorizar? ah faça-me o favor... isso nao existe, é apenas uma historia de romance; mas que mania de perseguição que esse povo tem ...