Limites do ficha limpa


O ótimo cartum do Kayser acho que é bastante elucidativo sobre os limites evidentes que o tão propalado projeto "Ficha Limpa", já aprovado e sancionado, tem em sua essência. Ele é um daqueles famosos projetos "para inglês ver", que através de um simulacro de moralidade, se pratica um verdadeiro "faz-de-conta" de que coibirá a corrupção.
O que o projeto propõem é tão limitado, ao não atingir nenhum dos mecanismos corruptores existentes, que chega a ser um tanto estranho a forma como uma boa parte da mídia cobriu o tema. Não chega a estranhar, afinal, a tempos que a grande mídia empresarial tem dedicado seus holofótes a uma demonização da "política". Fazendo vistas grossas a todo o descalabro que outros setores cometem há tempos, como o judiciário e o "mercado".
Reproduzo um trecho de um bom artigo do Marco Weissheimer, onde é apontado elementos que demonstram as contradições e limites do Ficha Limpa:


É sintomático que o debate sobre a “ficha limpa” apareça dissociado do tema da reforma política. Eternamente proteladas e engavetadas, as propostas de uma mudança na legislação sobre as eleições e o financiamento das campanhas não obtém mesmo o alto grau de consenso e mobilização. Vale a pena lembrar de uma observação feita pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek acerca do papel da moralidade na política. Ele analisa o caso italiano, onde uma operação Mãos Limpas promoveu uma devassa na classe política do país. Qual foi o resultado? Zizek comenta:

“Sua vitória (de Berlusconi) é uma lição deprimente sobre o papel da moralidade na política: o supremo desfecho da grande catarse moral-política – a campanha anticorrupção das mãos limpas que, uma década atrás, arruinou a democracia cristã, e com ela a polarização ideológica entre democratas cristãos e comunistas que dominou a política italiana no pós-guerra – é Berlusconi no poder. É algo como Rupert Murdoch vencer uma eleição na Grã-Bretanha: um movimento político gerenciado como empresa de publicidade e negócios. A Forza Itália de Berlusconi não é mais um partido político, mas sim – como o nome indica – uma espécie de torcida”. (Às portas da revolução", Boitempo, p. 332)

A eleição de políticos de “tipo Berlusconi” mostra outra fragilidade dessa idéia. Marcos Rolim desdobra bem essa fragilidade:

Muitos dos corruptos brasileiros possuem “ficha limpa” – especialmente os mais espertos, que não deixam rastros. Por outro lado, uma lei do tipo na África do Sul não teria permitido a eleição de Nelson Mandela, cuja “ficha suja” envolvia condenação por “terrorismo”. Várias lideranças sindicais brasileiras possuem condenações em segunda instância por “crimes” que envolveram participação em greves ou em lutas populares; devemos impedir que se candidatem?

Agora mesmo, cabe lembrar, no Rio Grande do Sul e em São Paulo lideranças sindicais estão sofrendo condenações por protestos realizados contra os governos dos respectivos estados. Já não estão mais com sua ficha limpa. Os governantes dos dois estados, ao contrário, acusados de envolvimento em esquemas de corrupção, de autoritarismo e de sucateamento dos serviços públicos seguem com a ficha limpíssima. É este o caminho? Uma aberração político-jurídica vai melhorar nossa democracia?

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