Copenhague: Seattle amadurece
Naomi Klein
Dias atrás recebi uma cópia pré-publicação do livro The Battle of the Story of the Battle of Seattle (A batalha da história da batalha de Seattle), de David Solnit e Rebecca Solnit.
O livro sai 10 anos depois que uma coalizão histórica de ativistas encerrou a reunião de cúpula da Organização Mundial de Comércio em Seattle, a faísca que iniciou um movimento global anticorporativo.
O livro é um relato fascinante do que realmente aconteceu em Seattle, mas quando falei com David Solnit, o guru da ação direta que ajudou a planejar a interrupção, descobri que ele estava menos interessado em relembrar 1999 do que em falar sobre a iminente reunião de cúpula da ONU sobre a mudança climática em Copenhague (de 7 a 18 de dezembro) e as ações da "justiça climática" que ele está ajudando a organizar por todos os Estados Unidos em 30 de novembro.
"Definitivamente, este é um momento como o de Seattle", disse Solnit. "As pessoas estão prontas para entrar em ação".
Há uma qualidade de Seattle na mobilização de Copenhague: a enorme gama de grupos, as diversas táticas expostas e os governos dos países em desenvolvimento prontos para trazer demandas ativistas para a reunião de cúpula.
Mas Copenhague não é apenas uma repetição de Seattle. É como se as placas tectônicas progressivas estivessem se movendo, criando um movimento que se baseia nas forças de uma era anterior, mas que também aprende com os seus erros.
A grande crítica do movimento que a mídia insistiu em chamar de "antiglobalização" sempre foi de que tinha uma lista de reclamações e poucas alternativas concretas.
Em contrapartida, o movimento que converge para Copenhague está ligado a uma única questão - mudança climática - mas ele reúne um relato coerente sobre a sua causa e suas curas que incorpora praticamente todas as questões sobre o planeta.
Neste relato, nosso clima está mudando não apenas por causa de práticas poluentes específicas, mas também por causa da lógica subjacente do capitalismo, que valoriza o lucro a curto prazo e o crescimento contínuo acima de tudo.
Nossos governos querem que acreditemos que a mesma lógica pode ser utilizada agora para resolver a crise climática - criando uma mercadoria comercializável chamada "carbono" e transformando florestas e terras cultiváveis em "bacias" que supostamente compensariam nossas emissões descontroladas.
Os ativistas da justiça climática em Copenhague argumentarão que, longe de solucionar a crise climática, o comércio de carbono representa uma privatização sem precedentes da atmosfera, e que aquelas compensações e bacias ameaçam se tornar um rapto de recursos de proporções coloniais.
Não apenas estas "soluções baseadas no mercado" falham em resolver a crise climática, como elas também aprofundarão a pobreza e a desigualdade de forma catastrófica - porque as pessoas mais vulneráveis e mais pobres são as primeiras vítimas da mudança climática, bem como as primeiras cobaias para estes planos de comércio de emissões.
Mas os ativistas em Copenhague não vão simplesmente dizer não a tudo isso. Eles promoverão soluções que, simultaneamente, reduzem as emissões e reduzem a desigualdade.
Ao contrário de reuniões de cúpula anteriores, onde as alternativas pareciam reflexões tardias, em Copenhague as alternativas assumirão uma posição de destaque.
Por exemplo, a coalizão de ação direta Climate Justice Action (Ação de Justiça Climática) convocou todos os ativistas a atacar o centro de convenções, no dia 16 de dezembro.
Muitos farão isto como parte do "bloco da bicicleta", pedalando juntos em uma ainda não revelada "irresistível nova máquina de resistência" feita de centenas de bicicletas velhas.
O objetivo da ação não é encerrar a cúpula, ao estilo de Seattle, mas abri-la, transformando-a em "um espaço para falar sobre a NOSSA pauta, uma pauta vinda da base, uma pauta de justiça climática, de soluções reais contra as suas soluções falsas.Este dia será nosso".
Algumas das soluções oferecidas pelo lado ativista são as mesmas que o movimento de justiça global defende há anos: agricultura local e sustentável; projetos de energia menores e descentralizados; respeito pelos direitos das terras indígenas; deixar os combustíveis fósseis no solo; aliviar a proteção à propriedade intelectual para tecnologia ecológica; e pagar por estas transformações taxando transações financeiras e cancelando dívidas externas.
Algumas soluções são novas, como a exigência crescente para que os países ricos paguem indenizações de "dívida climática" aos países pobres. Estas são exigências absurdas, mas todos nós acabamos de ver o tipo de recursos que nossos governos podem mobilizar para salvar as elites.
Como um slogan pré-Copenhague coloca: "Se o clima fosse um banco, teria sido salvo" - não deixado à mercê da brutalidade do mercado.
Além do relato coerente e do foco em alternativas, muitas outras mudanças estão por vir, incluindo uma abordagem mais ponderada à ação direta, uma que reconheça a urgência de fazer mais do que apenas falar, mas que esteja determinada em não fazer o jogo dos roteiros cansados de policiais-contra-manifestantes.
"Nossa ação é de desobediência civil", dizem os organizadores da ação de 16 de dezembro. "Superaremos quaisquer barreiras físicas que estiverem no nosso caminho - mas não responderemos com violência se a polícia (tentar) agravar a situação". (Dito isso, não há como a cúpula de duas semanas não incluir alguns tumultos entre policiais e garotos vestidos de preto; afinal de contas, esta é a Europa.)
Uma década atrás, em um editorial publicado pelo The New York Times depois que Seattle foi encerrada, escrevi que um novo movimento defendendo uma forma radicalmente diferente de globalização "acabava de ter sua festa de lançamento".
Qual será a importância de Copenhague? Coloquei esta questão para John Jordan, cuja previsão do que acabou acontecendo em Seattle citei em meu livro No Logo (Sem logo).
Ele respondeu: "se Seattle foi a festa de lançamento do movimento dos movimentos, então talvez Copenhague seja uma celebração do nosso amadurecimento".
No entanto, ele avisa que crescer não significa deixar de se arriscar, evitando a desobediência civil em favor de reuniões tranquilas.
"Espero que tenhamos nos tornado ainda mais desobedientes", disse Jordan, "pois a vida neste nosso mundo pode acabar sendo extinta por causa de muitos atos de obediência".
*Naomi Klein, colunista do The Nation e The Guardian em Londres, é autora de The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
Esta coluna foi publicada originalmente no The Nation.
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