Obama perdido com as drogas
Wálter Fanganiello Maierovitch
Quando dirigia o observatório parisiense dedicado à geopolítica das drogas proibidas, o sociólogo Alain Labrousse pronunciou uma frase a desmascarar a militarizada política norte-americana da war on drugs. “Uma questão de saúde pública transformou-se em instrumento regulador do equilíbrio mundial”, afirmou.
Tomo a liberdade de empurrar o dardo da hipocrisia mais adiante. O fenômeno das drogas serve mesmo é para encobrir interesses geopolíticos, geoestratégicos e geoeconômicos. E só quem acredita em Papai Noel pode sustentar que as anunciadas bases militares norte-americanas na Colômbia se prestarão à repressão ao tráfico de drogas e à coo-peração internacional nessa matéria.
Sobre bases militares para combate às drogas trata-se de filme conhecido, com novos atores. Quando o governo norte-americano devolveu o controle do Canal do Panamá, na virada de 1999 para 2000, já havia ele construído, a pretexto de combater o narcotráfico internacional, duas bases militares em substituição. Isto nas ilhas de Curaçao e Aruba. Essas duas bases controlam a saída do petróleo venezuelano para o Mar das Antilhas.
Não contente e com o mesmo pretexto da war on drugs, o governo norte-americano plantou uma base militar em Iquitos, no então Peru de Alberto Fujimori e Vladimiro Montesinos. Este último um agente da Central Intelligence Agency (CIA) imposto como ministro de inteligência a Fujimori. Montesinos, com o silêncio de uma CIA encantada com a prisão de Abimael Guzmán, chefe do Sendero Luminoso, transformou o Peru numa narcoditadura e vendeu armas para as Farc. Aí a CIA teve de dispensar os seus serviços dado o conflito de interesses.
No Panamá, de 1983 a 1989, os norte-americanos fingiram não perceber que o ditador Manuel Noriega, também agente da CIA, era narcotraficante. Na visão da agência, ele possuía outros méritos, pois havia se saído bem da incumbência de derrubar o governo de Arnulfo Arias. Enquanto isso, até as eclusas do Canal do Panamá sabiam dos negócios do ditador com o colombiano Pablo Escobar, chefe do Cartel de Medellín. Quando a CIA perdeu a ascendência sobre Noriega, que aumentava a oferta de cocaína nos EUA, o presidente George Bush autorizou a operação Justa Causa, em dezembro de 1989. Preso, Noriega acabou embarcado para os EUA, onde recebeu condenação por tráfico de cocaína e marijuana.
Sobre o engodo das bases militares no combate ao tráfico de drogas, alguns dados não podem ser esquecidos. De Nixon até o final do primeiro mandato de W. Bush, segundo dados reconhecidos, a oferta e o consumo de cocaína (droga andina) nos EUA só aumentaram. A área andina de cultivo de coca, cuja folha é a matéria-prima para a elaboração do cloridrato de cocaína, continua igual faz vinte anos. E o National Intelligence Council (EUA) estimou, para fechar o século passado, o movimento anual do mercado das drogas ilícitas entre 100 bilhões e 300 bilhões de dólares. A ONU o estima em 400 bilhões.
A política do war on drugs, com o presidente Ronald Rea-gan, serviu de instrumento de intervenção e pressão, a fim de combater o comunismo na América Latina.
O insucesso da militarização também pode ser medido pela conclusão inserida na Convenção das Nações Unidas de 1988, ou seja, o sistema bancário e financeiro internacional estava sendo utilizado para lavagem do dinheiro sujo das drogas e para reciclagem de capitais em atividades formalmente lícitas. De lá para cá, a fiscalização só aumentou por causa do terrorismo.
Como são desprezados mecanismos não bélicos para vigiar e reprimir a economia movimentada pelo narcotráfico e para controlar os insumos químicos empregados no refino da folha de coca (Colômbia, Peru e Bolívia não produzem químicos), a militarização, com implementação de bases, é apresentada como solução, com incrível caradurismo.
No momento, a comunidade internacional convive com a indefinição sobre a nova política norte-americana sobre drogas e com as ambiguidades do presidente Obama. O seu czar antidrogas já falou do absoluto fracasso da war on drugs. E na recente visita ao México, o presidente Obama não quis se comprometer com a impopular “guerra às drogas” do seu colega Felipe Calderón.
A propósito, não seria Obama estulto a ponto de dar apoio a uma política militarizada que, no último ano e meio do mandato de Calderón, matou cerca de 8 mil mexicanos – 70% sem ligações com o narcotráfico. Obama prometeu ajuda a Calderón e não esqueceu de ter seu antecessor, W. Bush, jogado no ralo mexicano 720 milhões de dólares, parte no fracassado Plan Mérida.
Qualquer observador atento já percebeu que, para a Colômbia, o discurso de Obama vira outro. Ou seja, vale a guerra contra as drogas. Por isso, o presidente dos EUA quer novas bases militares, com uma desculpa sem originalidade: a da war on drugs temperada com o molho Farc.
Pescado em Carta Capital
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