Um rábula para a presidência do STF -- Já!
Dr. Rosinha*
A última semana foi repleta de fatos políticos. Um deles foi o discurso do presidente do Senado, senador José Sarney (PMDB-AP), que, mais uma vez, jurou inocência. Com muitas falcatruas a serem investigadas e vários parentes ocupando cargos, Sarney jurou não saber de nada. E o pior: há os que acreditam.
Já o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou e decidiu que, para exercer a função de jornalista, não é preciso diploma universitário. Melhor, não precisa de diploma, basta saber escrever. Ou, pensando bem, nem isso. Basta ter boa dicção, não importando o português, para fazer o jornalismo na rádio e, às vezes, até na TV.
A exigência da formação superior era uma conquista histórica dos jornalistas e da sociedade. O fim dessa exigência significa a perda da qualidade, tanto dos profissionais como do jornalismo. Quando a mais alta corte do país toma esse tipo de decisão, podemos imaginar de tudo. Imagino que a decisão foi uma exigência dos grandes empresários do setor.
O direito ao acesso à informação independente e plural é uma condição indispensável para a verdadeira democracia. E esse direito é garantido, na prática, pelo trabalho de apuração feito por profissionais com formação teórica, técnica e ética. Profissionais capacitados a exercer um jornalismo que dê visibilidade pública aos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas.
Depois de 70 anos da regulamentação da profissão e mais de 40 anos de criação dos cursos superiores de jornalismo, derrubar este requisito à prática profissional significa um retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos.
É falacioso o argumento de que a obrigatoriedade do diploma ameaça as liberdades de expressão e de imprensa. A profissão regulamentada não é impedimento para que pessoas se expressem por meio dos veículos de comunicação. A manifestação de qualquer cidadão depende do caráter democrático ou não do veículo de comunicação. Se este for democrático, há espaço para a manifestação. Tanto é verdade que o autor deste texto, mesmo não sendo jornalista, tem se manifestado através, por exemplo, de artigos em jornais.
Não se pode confundir liberdade de expressão com liberdade de exercício de trabalho. O mesmo artigo 5º da Constituição Federal que prevê a livre expressão das ideias prevê, também, que a legislação deve estabelecer as qualificações técnicas das diferentes profissões.
O ex-procurador-geral da República, Claudio Fonteles, em 2004, declarou-se favorável à exigência do diploma de curso de jornalismo para obtenção do registro profissional que permite o exercício da atividade. "Não estamos diante de uma atividade vulgar, que prescinde de conhecimentos técnicos. Banalizar a questionada profissão a ponto de considerar que não merece regulamentação específica é desmerecer a realidade comum dos fatos", escreveu Fonteles.
O diploma em jornalismo, bem ao contrário de ameaçar a liberdade de expressão, é uma das garantias que ajudam a conferir às empresas de comunicação do Brasil a qualidade e o compromisso com a informação livre e plural.
Na exposição e defesa de seu voto para a cassação do diploma de jornalista, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, desqualifica os jornalistas profissionais portadores de diploma, ao afirmar que escrever é como cozinhar. Ao fazer isso, Gilmar ignora a realidade: hoje os cozinheiros também frequentam cursos técnicos e alguns de nível superior.
Não bastasse a cassação do diploma de jornalista, no dia seguinte o presidente do STF saiu ameaçando outros profissionais de cassação. Demonstrou Mendes a disposição de cassar o diploma de outros profissionais. Preparem-se, administradores, economistas, contadores, etc. Vocês podem ser os próximos.
Se continuar com a sanha de "caçador", outros profissionais poderão ser vítimas. Continuando nesse ritmo, teremos que nos preparar para a volta dos barbeiros, como era no século XVIII e parte do século XIX, para exercer a função dos médicos. Ou a volta dos práticos para tratar da nossa arcada dentária.
Não podemos esquecer dos rábulas (pessoas que advogam sem diploma) para nos defender nos tribunais. Por falar nisso, aproveito a oportunidade e lanço a campanha: Um rábula para a presidência do STF, já!
* Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
O STF, com todos os votos dos ministros indicados por Lula, ratificou a situação atual da mídia. Se fulano escreve bem, tem opinião, sabe do assunto, qual o problema do fulano escrever para um jornal? As pessoas que defendem o diploma ( e minha mulher é jornalista) estão interessadas nos interesses privados e particulares do corporativismo. Interesse corporativo não é interesse social. E, no caso, o que importa é o interesse social, o interesse de todos, o interesse da imensa maioria.
Postar um comentário