Por Claudia Prates
Herança de opressão e desigualdades
As funções exercidas por mulheres e homens, e a relação entre uns e outros, não são iguais em todos os lugares nem permanecem as mesmas ao longo do tempo, mas são definidas por vários fatores: religiosos, culturais, étnicos, econômicos, ideológicos. Falar destas relações entre pessoas do gênero masculino e pessoas do gênero feminino, e do papel que cada um assume na sociedade, é falar de relações de gênero. Quando se está atento à forma como são estabelecidas estas relações, pode-se reparar que em geral homens e mulheres não têm oportunidades iguais. Na maioria dos casos, as mulheres são as mais alijadas dos processos. Para se ter uma sociedade mais democrática, portanto, é preciso olhar para as relações de gênero e promover especialmente a participação das mulheres para que elas possam estar mais presentes nas decisões, protagonistas e demandantes de políticas públicas.
Um dos grandes desafios que temos que enfrentar consiste na construção de orçamentos públicos que contenham o recorte de gênero em suas formulações.
Os orçamentos são, em sua grande maioria, projetados de maneira uniforme para atender as demandas de toda a população. Deixam de ser consideradas as necessidades distintas de mulheres e homens. Historicamente sabemos que a sociedade dá papéis e funções diferentes a ambos. Tratar desiguais como iguais além de injusto parece discriminatório, pois aumenta ainda mais a distância entre um e outro.
Em todos os níveis de governo, as mulheres estão insuficientemente representadas. Somos minoria nos governos e na definição das políticas, nos partidos políticos, nos movimentos mistos, nos agentes econômicos, enfim, a concentração de poder unilateral, do ponto de vista feminista, influi em muitos âmbitos da vida pública e privada.
O que se verifica é que, quando esta dimensão está presente na administração pública, os/as responsáveis pela elaboração e implementação de políticas específicas, quase nunca têm estatus de secretaria, não participam das reuniões de secretariado e dependem de níveis hierárquicos superiores. E o que é ainda pior, quando são mulheres que não são sensíveis às políticas públicas com enfoque de gênero, não fazem a fala dos movimentos e tão pouco são reconhecidas como representantes da luta das mulheres. Reproduzem desigualdades, mas ocupam postos que poderiam ser de mulheres preocupadas em mudar este quadro de desigualdades e injustiças. Este é mais um desafio. Pressionar para que tenhamos, por exemplo, mulheres no 1º escalão em secretarias chaves, como fez a Presidenta Dilma.
Não está ao alcance do executivo definir novas relações de gênero, mas, ao desenhar as políticas públicas, é fundamental que se considere a herança de opressão, a divisão sexual do trabalho e as desigualdades nas ações específicas, e que estas garantam a igualdade de acesso e de oportunidades para as mulheres, em diversos aspectos da vida.
A Ministra Iriny Lopes tem afirmado que o governo deve lutar pela autonomia econômica, social e política das mulheres, e um dos pontos que entrarão na discussão será o Plano Plurianual (PPA). "Temos que destinar mais recursos aos investimentos necessários para essa autonomia. Não adiantam boas intenções se não houver recursos para implantar bons projetos e bons programas”, diz a Ministra.
Visibilidade e mobilização
É necessário ter uma agenda de políticas públicas para mulheres, separada das políticas gerais. Precisamos dar visibilidade para as necessidades da população feminina, em função da discriminação que sofremos ao longo da história, que fez com que as mesmas fossem diluídas, afim, inclusive de ocultar as formas de opressão e discriminação. Existem especificidades nas políticas públicas para as mulheres, embora busquemos igualdades em termos de cidadania: saúde, educação, emprego, politicas de crédito, habitação ( aumenta o número de mulheres que cuidam sozinhas dos filhos...), acesso à terra, documentação, sofrem violência doméstica e profissional, assistência social (recai sobre as mulheres o atendimento aos filhos, idosos e doentes), cultura, lazer, etc.
A pobreza tem cara, sexo e cor - A pobreza é a cara das mulheres
Os desafios para alcançar a transformação da situação das mulheres chefes de familia, urbanas e rurais, aliviar a sobrecarga de trabalho, eliminar a feminização da pobreza e eliminar o machismo das políticas públicas é muito mais do que ter a política no papel.
Estas especificidades precisam ficar bem nítidas, afim não só de atendê-las, mas de romper com o nivelamento social que oculta as diferentes formas de discriminação.
Ter programas objetivos em todas as áreas, um órgão que as execute, com poderes para tal, garantindo a transversalidade e a integralidade na execução destas políticas, com orçamento assegurado para sua execução, definindo desde o início da gestão a existência das mesmas.
Controle Social
Os debates sobre orçamento público com a sociedade, e a capacitação das mulheres para esses espaços faz parte de uma das tarefas também das gestoras dos organismos de políticas públicas para as mulheres. Para as mulheres, a participação direta através do Orçamento Participativo teria a garantia de que suas demandas seriam atendidas. Não de forma automática, mas com disputa de projetos e prioridades. O modelo de Consulta Popular limita muito este formato democrático, pois no OP as mulheres votam nos projetos que elas ajudaram a discutir, e já apontaram os recursos desde o PPA. Na consulta elas votariam em listas pré-ordenadas que não foram elas as demandantes.
O controle público se faz por meio de várias ações e é um instrumento político que pode favorecer a participação das mulheres, seja no orçamento participativo, seja em formas de pressão direta para efetivação das políticas públicas, e direito das mulheres através dos fóruns e conselhos de mulheres.
Nada virá de forma fácil. É na luta cotidiana nos espaços de participação popular, organizando assembléias de massa, garantindo a diversidade e pluralidade das mulheres, compartilhando o poder de decidir sobre as demandas com o executivo, com autonomia.
Disputar o modelo de participação popular, pode nos levar a enfrentar resistências, mas a luta pela igualdade de direitos passa por questionar toda uma realidade de dominação e de opressão. A sociedade que queremos construir não discrimina nem inferioriza as mulheres. Não impõe padrões de beleza, de comportamento, de idéias, de feminilidade. Não impõe a submissão, nem a maternidade. Tem que ser uma sociedade de iguais.
Tem que ser uma sociedade de mulheres e homens livres!
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres.
Cláudia Prates
Militante Feminista da Marcha Mundial das Mulheres
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