O falso dilema entre proteger os pobres e pagar bons salários a servidores


Por Luiz Carlos Azenha


Outro dia saiu na capa do Estadão que a greve dos servidores públicos federais era uma greve de elite. Senti-me transportado à eleição presidencial de 1989, quando Fernando Collor encarnou o “caçador dos marajás”. Os marajás, obviamente, representavam o Estado brasileiro. Ao demolir os marajás, demolia-se um estado perdulário, nababesco, apodrecido. Mas, que estado tão poderoso era este, quando a Polícia Federal ainda nem tinha chegado ao Acre? Quando a rede pública de educação nem tinha chegado às fronteiras do país? Quando o SUS ainda engatinhava?
[Para informação dos mais jovens, Fernando Collor, com apoio devastador da mídia, derrotou Lula no segundo turno da primeira eleição presidencial direta depois da ditadura militar]
Obviamente, a caça aos marajás serviu à primeira encarnação do neoliberalismo no Brasil. Apeado Collor, o projeto frutificou sob Fernando Henrique Cardoso. O ataque aos marajás foi a peça pioneira na criação de um biombo simbólico, sob a qual se escondeu a vasta privatização do patrimônio público, cujo principal crime foi a venda da Companhia Vale do Rio Doce.
É natural que o Estadão continue defendendo, hoje, as mesmas teses que defendia há mais de 20 anos. O jornal é declaradamente conservador e muitas vezes elogiado justamente pela consistência.
O que de fato chama a atenção é a narrativa adotada pelo Palácio do Planalto, nos últimos dias, no que é interpretado — não sei se corretamente — como um recado da presidente Dilma aos servidores públicos federais em greve.
Tem dito a presidente que cabe a ela zelar, prioritariamente, pelos brasileiros que não têm estabilidade de emprego.
Infere-se que exista, portanto, uma competição entre os interesses dos que não dispõem de estabilidade de emprego e os interesses dos que dispõem de estabilidade.
Na minha opinião, é um falso dilema.

A estabilidade de emprego dos funcionários públicos não é, ao que eu saiba, resultado de uma concessão do governo Dilma.
Ela está escrita na lei. A estabilidade, na verdade, existe justamente para garantir que os funcionários públicos não fiquem reféns de humores políticos e partidários.
Portanto, é obrigação constitucional da presidente da República zelar pelos subordinados que dispõem de estabilidade de emprego no exercício de suas obrigações funcionais.
Que ela priorize os brasileiros que não dispõem de estabilidade, é justo e desejável.
Porém, essa prioridade não precisa ser dada às custas daqueles que dispõem de estabilidade de emprego, ou seja, do funcionalismo público.
O Estado não tem existência física, a não ser nos prédios da Esplanada dos Ministérios. Ele se materializa, entre outras coisas, nos serviços prestados pelos funcionários públicos ao povo, ou seja, àqueles que Dilma diz priorizar, os que não têm estabilidade de emprego.
Portanto, não há nada de errado em Dilma priorizar ao mesmo tempo os funcionários públicos e os que não dispõem de estabilidade no emprego. Afinal, ao valorizar os funcionários públicos estará, ainda que indiretamente, valorizando também os que recebem os serviços essenciais prestados pelos servidores do Estado.
Seria muito mais honesto que o governo dissesse claramente que enfrenta limitações orçamentárias que o impedem de dar os aumentos pretendidos pelos servidores, ao invés de jogar uns contra outros, criando a versão do século 21 do discurso de caça aos marajás.
A não ser que o objetivo seja, ainda que de forma torta ou tênue, retomar o discurso do Estado balofo, perdulário e incapaz — o discurso do neoliberalismo light.
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