Governo gosta de consultório médico


Por Marcos Piva


Deve ser por gosto, desgosto ou pragmatismo eleitoral. O fato é que, uma vez mais, a leitura da sala de espera e a TV muda mantem seu espaço cativo entre aqueles brasileiros que aguardam sua consulta. Dá-lhe Ana Maria Braga e Xuxa na telinha sem som. Não importa se a edição da semanal é de dois, três meses atrás. O conteúdo é o mesmo. Nessa circunstância, o celular até que é uma opção que navega entre o individual e o secreto. É assim, nesse ambiente de mansidão bovina de consultório médico, que o Ministério das Comunicações coloca sua pauta meramente empresarial, com o viés das teles, de um lado, e da servidão ideológica, de outro. Nada mal para quem ostenta uma ficha partidária cujo símbolo é uma estrela – nesse caso, suspeito que vermelha de vergonha.
Ao sinalizar que está fora do debate sobre a regulamentação das comunicações, o Governo Federal põe um freio num debate que está quente nas principais democracias do mundo e atrasa em uma década uma das principais bandeiras da cansada e ousada sociedade civil brasileira. Erra quem pensa que o que se quer é o controle de conteúdo da mídia ou qualquer tipo de censura. Isso é tergiversar sobre o principal. Qual é o conceito de liberdade no liberalismo clássico, para ser bem conservador? A pluralidade de opinião e a liberdade de expressão. Simples assim.
Negar que existem interesses comerciais poderosos por trás da decisão de Brasília é tapar o sol com a peneira. Dizer que o interesse maior é pelo consumidor que paga a conta soa demagógico. É exatamente por se subordinar aos interesses empresariais que o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, criticou a decisão de seu próprio partido em entrevista ao Estadão. Foi a senha que faltava para que o movimento social tivesse que dar marcha à ré para explicar o óbvio e começar tudo de novo, como se nunca houvesse acontecido, em dezembro de 2009, uma histórica Conferência Nacional de Comunicação.
Já passou da hora de regulamentar as comunicações (no plural, para que fique claro que a expansão da banda larga também é um projeto estratégico para o país). E o que é regulamentação? É uma atualização do ordenamento institucional das regras e leis que regem o setor. O que isso tem a ver com censura e controle de conteúdo? Nada, nadica. É exatamente o contrário. Será a grande oportunidade de ampliar a pluralidade de opiniões, fecundar a liberdade de expressão e garantir uma imprensa cada vez mais recheada de diversidade na forma e no conteúdo. Se isso não tem a ver com políticas públicas, não sei realmente o que o governo entende por democracia.
Encerro por aqui. O médico acabou de me chamar para a consulta.
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