Por Jeferson Miola
“O pensamento racional claramente aconselhava os troianos a suspeitarem de um ardil quando acordaram verificando que todo o exército grego desaparecera, deixando apenas estranho e monstruoso prodígio à frente das muralhas da cidade. O procedimento racional deveria ter sido, ao menos, examinar o cavalo em busca de inimigos, tal como foram veementemente aconselhados por Cápis o Velho, Laocoonte e Cassandra. Essa alternativa esteve presente e bem viável, mas foi posta de lado em favor da autodestruição.”
Barbara Tuchman, em “A marcha da insensatez”.
Barbara Tuchman, em seu memorável livro “A marcha da insensatez”, desvenda a tendência paradoxal que possuem autoridades, políticos e instituições de produzirem políticas contraproducentes que, ao fim, contrariam seus próprios interesses.
Como parte do exaustivo apanhado histórico que realiza, a autora estadunidense examina desde a Guerra de Tróia, passando pelos papados da Igreja Católica na Idade Média, até os anos 1970, em que analisa as armadilhas que os EUA produziram contra si mesmo com a estratégia de guerrar no Vietnã.
Em suas brilhantes análises, a autora demonstra como decisões desatinadas e carentes de racionalidade em algumas realidades produziram destruição e tragédias. Diz ela, com uma crítica lancinante: “sendo óbvio que a perseguição de desvantagem após desvantagem é algo irracional, concluímos, em conseqüência, que o repúdio da razão é a primeira característica da insensatez. As sucessivas medidas adotadas com respeito tanto às colônias americanas como quanto ao Vietnã eram tão nitidamente baseadas em atitudes preconceituosas e tão perfeitamente contrárias ao senso comum, às inferências racionais e aos conselhos judiciosos, que, como insensatez, falam por si mesmas”.
As escolhas do PT para as eleições municipais de Porto Alegre merecem ser vistas sob o prisma de uma verdadeira “marcha da insensatez”. O PT em Porto Alegre não sofreu uma derrota qualquer; foi uma derrota inclemente.
E não foi uma derrota de um PT qualquer, mas a derrota de um PT que acumulou a experiência de governar a cidade por 16 anos e que construiu importantes referências para o país e para o mundo de resistências e de construção de alternativas democráticas ao neoliberalismo.
O desempenho em Porto Alegre não guarda absolutamente qualquer coerência com o padrão de desempenho do Partido no Rio Grande do Sul e no Brasil. Tanto no estado como no país, foi a sigla mais votada, a que mais ampliou o número de prefeituras conquistadas e a que teve o maior incremento do número de vereadores eleitos.
Desde sua fundação, em 1980, o PT participou com candidatura própria de todas as eleições municipais em Porto Alegre [1]. Em 2012, o PT alcançou o pior desempenho em toda essa história eleitoral na cidade. Até mesmo pior que da primeira vez que disputou o pleito, em 1985 - há 27 anos, nos primórdios da construção partidária. O candidato do PT no recente pleito fez apenas 9,64%, o que significam 103.039 votos a menos que na eleição anterior e 194.442 votos a menos que o desempenho histórico médio do PT. [Tabela I]
O PT também teve o pior desempenho para a Câmara de Vereadores de PoA, elegendo a menor bancada desde 1988 [2], reduzindo-a de 7 para 5 vereadores. E igualmente viu diminuir 27.418 votos da legenda e 17.338 votos nominais de candidatos a vereador em comparação com a eleição passada. [Tabela II]
Das oito eleições a prefeito municipal em Porto Alegre nos últimos 24 anos[3], é a primeira vez que o PT fica excluído do segundo turno, e a única vez em que o candidato a prefeito do PT faz menos votos que os do Partido para a Câmara de Vereadores [GráficoII]. É uma evidência de que menos eleitores dos vereadores votaram no candidato a prefeito. Por isso, não seria razoável validar a visão de que “ ‘quando se ganha, é mérito do Indivíduo; e quando se perde, a responsabilidade é do Partido’ ”.
Em 2012, das 133 cidades do Brasil com mais de 200 mil habitantes, o PT disputou eleições com candidatos próprios em 87 delas. Nessas 87 localidades, apenas 8 candidaturas tiveram desempenho inferior a 10%, e a de PoA foi uma delas. Com o percentual de 9,64, somente conseguiu ficar à frente das candidaturas do PT em Campina Grande, PB [1,17%], Vila Velha, ES [2,33%], Barueri, SP [2,36%], Imperatriz, MA [2,83%], Campo Grande, MS [4,87%], Ananindeua, PA [5,24%] e Guarujá, SP [5,35%].[Tabela III, no final deste artigo]
Com tais resultados, o PT de Porto Alegre foi o principal desvio do padrão nacional e estadual, mesmo no contexto de um ambiente eleitoral submetido a influências relativamente idênticas em todo o país. Não há um só fenômeno local que pudesse ser relacionado com esta situação.
A conjuntura eleitoral foi influenciada por uma pluralidade de fatores, tanto intrínsecos quanto exteriores à candidatura do PT. Com pesos e ênfases diferenciados, acabaram por determinar o resultado final.
A exploração teledramatúrgica do chamado “mensalão”, por exemplo, ocorreu de norte a sul do Brasil, de modo que as consequências eleitorais dessa questão, assim como de outras questões espinhosas para o PT, teriam sido relativamente similares em todo o país. Até se poderia presumir que em São Paulo o efeito possa ter sido mais drástico, mas, mesmo assim, a candidatura do PT, que iniciou o processo eleitoral com menos de 3%, disputará o segundo turno com reais condições de vitória.
Por outro lado, não existem indicadores de que o PT em PoA tenha deixado de ser preferido por uma considerável parcela da população [entre 22% e 25% do eleitorado]. Isso significa que 1 a cada 4 eleitores preferem o PT, mas somente 1 entre 10 eleitores votaram no candidato do Partido. Isso significa que o candidato do PT foi rejeitado.
O que sim se constata como fenômeno importante no campo da esquerda é o crescimento do PSOL [4]. Apesar da prática sectária e do “lacerdismo moralista”, parece se beneficiar da convergência da política ao centro, atraindo eleitores petistas [e de outras siglas] com discursos e propostas de esquerda. Esse parece ser um fenômeno nacional, que é replicado no RS.
Neste cenário, cabe perguntar: que outros fatores explicam a retumbante derrota do PT em Porto Alegre? Seria improdutivo e arrogante menosprezar, neste sentido, os erros cometidos pelo próprio PT no município.
A inclemente derrota do PT em PoA é o ponto culminante de uma trajetória descendente que se iniciou em 2000, quando houve uma primeira fratura interna. Nas eleições de 2008 e 2012 o PT sofreu uma erosão eleitoral na cidade. Assim como nas eleições de 2008, em 2012 o desempenho partidário ficou muito abaixo da média histórica do período 1985/2008 em todos os quesitos.
De outra parte, a derrota deste ano condensa vários elementos da crise em que se encontra o PT de PoA. É uma crise que vem de longa data, determinada pela diminuição da capacidade dirigente e militante; pela perda de inserção nos movimentos sociais e comunitários e, não menos importante, pela debilidade organizativa e de direção. Se assiste à perda de organicidade e o comprometimento da capacidade de intervenção e de iniciativa na realidade política e no debate público na cidade.
Também contribui para a diminuição da influência partidária o crescimento da hegemonia dos partidos tradicionais, que se mimetizaram programaticamente. Com oportunismo, distorcem a realidade e proclamam a continuidade das políticas gestadas pelo PT. Aplicam o conhecido truque eleitoral de “manter o que é bom e mudar o que está mal”.
Todos estes fatores pesaram na determinação da derrota, é verdade. Adicionalmente, entretanto, deve-se reconhecer que a lógica partidária de instrumentalização da política com o “repúdio da razão” está na raiz desta crise. Recordemos Barbara Tuchman: “Nas operações governamentais, a impotência da razão é algo muito grave, porque afeta tudo aquilo que se encontra ao alcance — cidadãos, sociedade, civilização. Era problema que preocupava profundamente aos gregos, iniciadores do pensamento ocidental. Eurípedes, em suas últimas obras, concorda em que o mistério do erro moral e da insensatez não pode ser atribuído a causas externas, à peçonha de Ate — como se fosse uma aranha — ou a qualquer intervenção dos deuses. Homens e mulheres têm que aceitar esse ônus como parte da condição humana”.
O PT parece não ter aprendido com os fracassos de eleições anteriores, quando a luta interna por poder e por destruição dos adversários internos – em claro “repúdio da razão” – foi desenvolvida cegamente, acima da realidade e desprezando a perspectiva estratégica. As experiências das prévias partidárias para a escolha de candidaturas sempre foram traumáticas, porque baseadas na confrontação pura e simples entre campos internos, em alianças artificiais, em meras disputas por poder.
O processo para a definição da candidatura do PT em 2012 repetiu os equívocos do passado. Baseou-se no critério de maiorias artificiais, com maquinações e arranjos feitos da noite para o dia e sem bases programáticas. Este método não leva em conta que a sociedade, especialmente os setores simpáticos ao PT, presta muita atenção nas escolhas que o Partido faz. E que, com sabedoria, apresenta a fatura amarga ante escolhas equivocadas.
No “reino das maiorias” não entra a razão e a análise diligente da realidade. Prevalece o hegemonismo apoiado no cálculo para o controle da máquina partidária ou governamental, quando conquistada. Repetindo novamente Barbara Tuchman: “Voltamos a Burke: ‘Não é raro que a magnanimidade em política se torna a verdadeira sabedoria; um grande império e mentalidades tacanhas não se combinam bem’. O problema está em se reconhecer quando a persistência no erro se torna autodestruidora”.
As escolhas em Porto Alegre, que finalmente se demonstraram equivocadas, apresentaram um Partido confuso, sem política, sem programa, sem força de convocação militante e social.
A lógica das correntes e a visão particularista prevaleceram sobre o conjunto partidário. O quadro eleitoral evidenciava que seria uma eleição difícil e, portanto, que exigiria da candidatura do PT muito conhecimento público, densidade eleitoral e uma capacidade de explicar com facilidade de compreensão algo que era complexo: a confrontação de três candidaturas do campo democrático-popular.
Nesta condição, como singularizar a candidatura do PT, como apresentar as diferenças e disputar a consciência do povo? Ao contrário da diferenciação, ficou evidenciada a pasteurização. Com a “semelhança” dos campos pró-Dilma e pró-Tarso, não se soube explorar eficientemente a vinculação preferencial do PT com os governos estadual e nacional. Esse fenômeno explica porque os votos da Manuela migraram para o Fortunati [e não para o Villa], mas não foram para a oposição conservadora aos governos Tarso e Dilma.
Não seria correto atribuir o fracasso à tática eleitoral. A decisão sobre a candidatura própria foi unânime no PT; todas as correntes e lideranças partidárias defenderam esta posição. Candidatura própria não significa, em si mesmo, garantia de vitória. Em toda a história do PT de PoA, o Partido sempre se apresentou com candidatura própria. E neste período o Partido sofreu várias derrotas – todas elas, todavia, eleitorais. A derrota de 2012, contudo, foi uma hecatombe política, uma derrota política humilhante.
A pregação de que o PT deveria ter abdicado da candidatura própria para ser vice de um dos dois candidatos não tem consistência. Por um lado, porque a candidatura do prefeito eleito articulou o campo conservador e dos setores anti-petistas, inviabilizando uma aliança com o PT. A candidatura do PCdoB, por outro lado, comprovou que não “havia chegado a hora” da novidade sustentada em forte marketing eleitoral.
A aplicação da tática eleitoral - ou seja, a candidatura, a estratégia e a política definidas pela maioria partidária – além de se basear em métodos esgotados, revelou-se inadequada às necessidades de um duro enfrentamento eleitoral. A eleição comprovou que se o PT tivesse uma candidatura mais conhecida e identificada com o legado dos governos do Partido na cidade, os resultados teriam sido totalmente diferentes.
Seria muita ingenuidade crer que qualquer que fosse a candidatura do PT o resultado seria o mesmo. Em 2002, por exemplo, para a definição do candidato o PT que disputaria a Presidência da República, o Partido foi constrangido a realizar uma incompreensível prévia entre Suplicy e Lula. Alguém duvida que, se o candidato não fosse Lula, o resultado teria sido outro?
Diante dessa derrota inclemente, o PT não pode, outra vez, encontrar um refúgio confortável no silêncio e na negação do fracasso. Novamente vale se socorrer de Tuchman: “A paralisação mental ou estagnação — manutenção intacta pelos governantes e estrategistas políticos das idéias com que começaram — é terreno fértil para a insensatez. Montezuma se constitui em exemplo fatal e trágico”.
Ou o PT aprende com os erros, ou as derrotas continuarão sendo o destino e a fonte da autodestruição. Como também adverte Barbara, “a política fundada em erros multiplica-se, jamais regride”.
O PT em PoA enfrenta uma realidade crítica. Não menos complexa que outros momentos da história de construção partidária. Com a grandeza das suas conquistas, com sua rica história, com sua honrosa tradição e com a dedicação de seus militantes, saberá superar esta situação. O PT é muito maior que os erros, por mais comprometedores que possam ser.
NOTAS
[1] Durante a ditadura militar, ficou proibido até o ano de 1985 a realização de eleições nas capitais, áreas de bases militares, de barragens de usinas elétricas e regiões de fronteira, consideradas áreas de segurança nacional presumivelmente passíveis de “ataques terroristas”. Os prefeitos municipais dessas cidades eram então indicados pelos militares normalmente dentre políticos da ARENA – cuja sigla sucedânea, depois de várias mudanças, é o atual PP. Em 1985 foi realizada a primeira eleição direta em Porto Alegre depois da ditadura.
[2] A primeira participação do PT em eleições para a Câmara de Vereadores foi em 1982, dois anos após sua fundação. Naquele ano, pelas razões assinaladas na nota anterior, somente se realizavam eleições proporcionais nas áreas de segurança nacional. Em 1982, o PT elegeu um vereador para a Câmara de PoA.
[3] Além de 1985, foram realizadas eleições para prefeito municipal de PoA em 1988, 1992, 1996, 2000, 2004, 2008 e 2012. A partir de 1996, as eleições nas capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores passaram a ter dois turnos eleitorais nos casos em que o candidato vencedor não atinja 50% + 1 dos votos válidos.
[4] O PSOL manteve os dois vereadores eleitos em 2008 e teve o vereador mais votado desta eleição.
Barbara Tuchman, em “A marcha da insensatez”.
Barbara Tuchman, em seu memorável livro “A marcha da insensatez”, desvenda a tendência paradoxal que possuem autoridades, políticos e instituições de produzirem políticas contraproducentes que, ao fim, contrariam seus próprios interesses.
Como parte do exaustivo apanhado histórico que realiza, a autora estadunidense examina desde a Guerra de Tróia, passando pelos papados da Igreja Católica na Idade Média, até os anos 1970, em que analisa as armadilhas que os EUA produziram contra si mesmo com a estratégia de guerrar no Vietnã.
Em suas brilhantes análises, a autora demonstra como decisões desatinadas e carentes de racionalidade em algumas realidades produziram destruição e tragédias. Diz ela, com uma crítica lancinante: “sendo óbvio que a perseguição de desvantagem após desvantagem é algo irracional, concluímos, em conseqüência, que o repúdio da razão é a primeira característica da insensatez. As sucessivas medidas adotadas com respeito tanto às colônias americanas como quanto ao Vietnã eram tão nitidamente baseadas em atitudes preconceituosas e tão perfeitamente contrárias ao senso comum, às inferências racionais e aos conselhos judiciosos, que, como insensatez, falam por si mesmas”.
As escolhas do PT para as eleições municipais de Porto Alegre merecem ser vistas sob o prisma de uma verdadeira “marcha da insensatez”. O PT em Porto Alegre não sofreu uma derrota qualquer; foi uma derrota inclemente.
E não foi uma derrota de um PT qualquer, mas a derrota de um PT que acumulou a experiência de governar a cidade por 16 anos e que construiu importantes referências para o país e para o mundo de resistências e de construção de alternativas democráticas ao neoliberalismo.
O desempenho em Porto Alegre não guarda absolutamente qualquer coerência com o padrão de desempenho do Partido no Rio Grande do Sul e no Brasil. Tanto no estado como no país, foi a sigla mais votada, a que mais ampliou o número de prefeituras conquistadas e a que teve o maior incremento do número de vereadores eleitos.
Desde sua fundação, em 1980, o PT participou com candidatura própria de todas as eleições municipais em Porto Alegre [1]. Em 2012, o PT alcançou o pior desempenho em toda essa história eleitoral na cidade. Até mesmo pior que da primeira vez que disputou o pleito, em 1985 - há 27 anos, nos primórdios da construção partidária. O candidato do PT no recente pleito fez apenas 9,64%, o que significam 103.039 votos a menos que na eleição anterior e 194.442 votos a menos que o desempenho histórico médio do PT. [Tabela I]
O PT também teve o pior desempenho para a Câmara de Vereadores de PoA, elegendo a menor bancada desde 1988 [2], reduzindo-a de 7 para 5 vereadores. E igualmente viu diminuir 27.418 votos da legenda e 17.338 votos nominais de candidatos a vereador em comparação com a eleição passada. [Tabela II]
Das oito eleições a prefeito municipal em Porto Alegre nos últimos 24 anos[3], é a primeira vez que o PT fica excluído do segundo turno, e a única vez em que o candidato a prefeito do PT faz menos votos que os do Partido para a Câmara de Vereadores [GráficoII]. É uma evidência de que menos eleitores dos vereadores votaram no candidato a prefeito. Por isso, não seria razoável validar a visão de que “ ‘quando se ganha, é mérito do Indivíduo; e quando se perde, a responsabilidade é do Partido’ ”.
Em 2012, das 133 cidades do Brasil com mais de 200 mil habitantes, o PT disputou eleições com candidatos próprios em 87 delas. Nessas 87 localidades, apenas 8 candidaturas tiveram desempenho inferior a 10%, e a de PoA foi uma delas. Com o percentual de 9,64, somente conseguiu ficar à frente das candidaturas do PT em Campina Grande, PB [1,17%], Vila Velha, ES [2,33%], Barueri, SP [2,36%], Imperatriz, MA [2,83%], Campo Grande, MS [4,87%], Ananindeua, PA [5,24%] e Guarujá, SP [5,35%].[Tabela III, no final deste artigo]
Com tais resultados, o PT de Porto Alegre foi o principal desvio do padrão nacional e estadual, mesmo no contexto de um ambiente eleitoral submetido a influências relativamente idênticas em todo o país. Não há um só fenômeno local que pudesse ser relacionado com esta situação.
A conjuntura eleitoral foi influenciada por uma pluralidade de fatores, tanto intrínsecos quanto exteriores à candidatura do PT. Com pesos e ênfases diferenciados, acabaram por determinar o resultado final.
A exploração teledramatúrgica do chamado “mensalão”, por exemplo, ocorreu de norte a sul do Brasil, de modo que as consequências eleitorais dessa questão, assim como de outras questões espinhosas para o PT, teriam sido relativamente similares em todo o país. Até se poderia presumir que em São Paulo o efeito possa ter sido mais drástico, mas, mesmo assim, a candidatura do PT, que iniciou o processo eleitoral com menos de 3%, disputará o segundo turno com reais condições de vitória.
Por outro lado, não existem indicadores de que o PT em PoA tenha deixado de ser preferido por uma considerável parcela da população [entre 22% e 25% do eleitorado]. Isso significa que 1 a cada 4 eleitores preferem o PT, mas somente 1 entre 10 eleitores votaram no candidato do Partido. Isso significa que o candidato do PT foi rejeitado.
O que sim se constata como fenômeno importante no campo da esquerda é o crescimento do PSOL [4]. Apesar da prática sectária e do “lacerdismo moralista”, parece se beneficiar da convergência da política ao centro, atraindo eleitores petistas [e de outras siglas] com discursos e propostas de esquerda. Esse parece ser um fenômeno nacional, que é replicado no RS.
Neste cenário, cabe perguntar: que outros fatores explicam a retumbante derrota do PT em Porto Alegre? Seria improdutivo e arrogante menosprezar, neste sentido, os erros cometidos pelo próprio PT no município.
A inclemente derrota do PT em PoA é o ponto culminante de uma trajetória descendente que se iniciou em 2000, quando houve uma primeira fratura interna. Nas eleições de 2008 e 2012 o PT sofreu uma erosão eleitoral na cidade. Assim como nas eleições de 2008, em 2012 o desempenho partidário ficou muito abaixo da média histórica do período 1985/2008 em todos os quesitos.
De outra parte, a derrota deste ano condensa vários elementos da crise em que se encontra o PT de PoA. É uma crise que vem de longa data, determinada pela diminuição da capacidade dirigente e militante; pela perda de inserção nos movimentos sociais e comunitários e, não menos importante, pela debilidade organizativa e de direção. Se assiste à perda de organicidade e o comprometimento da capacidade de intervenção e de iniciativa na realidade política e no debate público na cidade.
Também contribui para a diminuição da influência partidária o crescimento da hegemonia dos partidos tradicionais, que se mimetizaram programaticamente. Com oportunismo, distorcem a realidade e proclamam a continuidade das políticas gestadas pelo PT. Aplicam o conhecido truque eleitoral de “manter o que é bom e mudar o que está mal”.
Todos estes fatores pesaram na determinação da derrota, é verdade. Adicionalmente, entretanto, deve-se reconhecer que a lógica partidária de instrumentalização da política com o “repúdio da razão” está na raiz desta crise. Recordemos Barbara Tuchman: “Nas operações governamentais, a impotência da razão é algo muito grave, porque afeta tudo aquilo que se encontra ao alcance — cidadãos, sociedade, civilização. Era problema que preocupava profundamente aos gregos, iniciadores do pensamento ocidental. Eurípedes, em suas últimas obras, concorda em que o mistério do erro moral e da insensatez não pode ser atribuído a causas externas, à peçonha de Ate — como se fosse uma aranha — ou a qualquer intervenção dos deuses. Homens e mulheres têm que aceitar esse ônus como parte da condição humana”.
O PT parece não ter aprendido com os fracassos de eleições anteriores, quando a luta interna por poder e por destruição dos adversários internos – em claro “repúdio da razão” – foi desenvolvida cegamente, acima da realidade e desprezando a perspectiva estratégica. As experiências das prévias partidárias para a escolha de candidaturas sempre foram traumáticas, porque baseadas na confrontação pura e simples entre campos internos, em alianças artificiais, em meras disputas por poder.
O processo para a definição da candidatura do PT em 2012 repetiu os equívocos do passado. Baseou-se no critério de maiorias artificiais, com maquinações e arranjos feitos da noite para o dia e sem bases programáticas. Este método não leva em conta que a sociedade, especialmente os setores simpáticos ao PT, presta muita atenção nas escolhas que o Partido faz. E que, com sabedoria, apresenta a fatura amarga ante escolhas equivocadas.
No “reino das maiorias” não entra a razão e a análise diligente da realidade. Prevalece o hegemonismo apoiado no cálculo para o controle da máquina partidária ou governamental, quando conquistada. Repetindo novamente Barbara Tuchman: “Voltamos a Burke: ‘Não é raro que a magnanimidade em política se torna a verdadeira sabedoria; um grande império e mentalidades tacanhas não se combinam bem’. O problema está em se reconhecer quando a persistência no erro se torna autodestruidora”.
As escolhas em Porto Alegre, que finalmente se demonstraram equivocadas, apresentaram um Partido confuso, sem política, sem programa, sem força de convocação militante e social.
A lógica das correntes e a visão particularista prevaleceram sobre o conjunto partidário. O quadro eleitoral evidenciava que seria uma eleição difícil e, portanto, que exigiria da candidatura do PT muito conhecimento público, densidade eleitoral e uma capacidade de explicar com facilidade de compreensão algo que era complexo: a confrontação de três candidaturas do campo democrático-popular.
Nesta condição, como singularizar a candidatura do PT, como apresentar as diferenças e disputar a consciência do povo? Ao contrário da diferenciação, ficou evidenciada a pasteurização. Com a “semelhança” dos campos pró-Dilma e pró-Tarso, não se soube explorar eficientemente a vinculação preferencial do PT com os governos estadual e nacional. Esse fenômeno explica porque os votos da Manuela migraram para o Fortunati [e não para o Villa], mas não foram para a oposição conservadora aos governos Tarso e Dilma.
Não seria correto atribuir o fracasso à tática eleitoral. A decisão sobre a candidatura própria foi unânime no PT; todas as correntes e lideranças partidárias defenderam esta posição. Candidatura própria não significa, em si mesmo, garantia de vitória. Em toda a história do PT de PoA, o Partido sempre se apresentou com candidatura própria. E neste período o Partido sofreu várias derrotas – todas elas, todavia, eleitorais. A derrota de 2012, contudo, foi uma hecatombe política, uma derrota política humilhante.
A pregação de que o PT deveria ter abdicado da candidatura própria para ser vice de um dos dois candidatos não tem consistência. Por um lado, porque a candidatura do prefeito eleito articulou o campo conservador e dos setores anti-petistas, inviabilizando uma aliança com o PT. A candidatura do PCdoB, por outro lado, comprovou que não “havia chegado a hora” da novidade sustentada em forte marketing eleitoral.
A aplicação da tática eleitoral - ou seja, a candidatura, a estratégia e a política definidas pela maioria partidária – além de se basear em métodos esgotados, revelou-se inadequada às necessidades de um duro enfrentamento eleitoral. A eleição comprovou que se o PT tivesse uma candidatura mais conhecida e identificada com o legado dos governos do Partido na cidade, os resultados teriam sido totalmente diferentes.
Seria muita ingenuidade crer que qualquer que fosse a candidatura do PT o resultado seria o mesmo. Em 2002, por exemplo, para a definição do candidato o PT que disputaria a Presidência da República, o Partido foi constrangido a realizar uma incompreensível prévia entre Suplicy e Lula. Alguém duvida que, se o candidato não fosse Lula, o resultado teria sido outro?
Diante dessa derrota inclemente, o PT não pode, outra vez, encontrar um refúgio confortável no silêncio e na negação do fracasso. Novamente vale se socorrer de Tuchman: “A paralisação mental ou estagnação — manutenção intacta pelos governantes e estrategistas políticos das idéias com que começaram — é terreno fértil para a insensatez. Montezuma se constitui em exemplo fatal e trágico”.
Ou o PT aprende com os erros, ou as derrotas continuarão sendo o destino e a fonte da autodestruição. Como também adverte Barbara, “a política fundada em erros multiplica-se, jamais regride”.
O PT em PoA enfrenta uma realidade crítica. Não menos complexa que outros momentos da história de construção partidária. Com a grandeza das suas conquistas, com sua rica história, com sua honrosa tradição e com a dedicação de seus militantes, saberá superar esta situação. O PT é muito maior que os erros, por mais comprometedores que possam ser.
NOTAS
[1] Durante a ditadura militar, ficou proibido até o ano de 1985 a realização de eleições nas capitais, áreas de bases militares, de barragens de usinas elétricas e regiões de fronteira, consideradas áreas de segurança nacional presumivelmente passíveis de “ataques terroristas”. Os prefeitos municipais dessas cidades eram então indicados pelos militares normalmente dentre políticos da ARENA – cuja sigla sucedânea, depois de várias mudanças, é o atual PP. Em 1985 foi realizada a primeira eleição direta em Porto Alegre depois da ditadura.
[2] A primeira participação do PT em eleições para a Câmara de Vereadores foi em 1982, dois anos após sua fundação. Naquele ano, pelas razões assinaladas na nota anterior, somente se realizavam eleições proporcionais nas áreas de segurança nacional. Em 1982, o PT elegeu um vereador para a Câmara de PoA.
[3] Além de 1985, foram realizadas eleições para prefeito municipal de PoA em 1988, 1992, 1996, 2000, 2004, 2008 e 2012. A partir de 1996, as eleições nas capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores passaram a ter dois turnos eleitorais nos casos em que o candidato vencedor não atinja 50% + 1 dos votos válidos.
[4] O PSOL manteve os dois vereadores eleitos em 2008 e teve o vereador mais votado desta eleição.
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