Este ano se completaram 90 anos da morte de Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido como Lenin. Apontado por muitos como o maior revolucionário do século XX, liderou o processo de construção da primeira experiência de um governo operário da história, na extinta União Soviética. É sabido a necessidade de avaliarmos criticamente a experiência russa e condenarmos muitos dos descaminhos que o comunismo soviético teve, após a morte de Lenin e a ascensão de Stalin.
No entanto, não podemos prescindir de reconhecer a importância histórica de Lenin e sua contribuição para a luta dos povos em todo o mundo. O artigo abaixo de Eduardo Mancuso traz uma série de importantes elementos, a partir da trajetória da vida de Lenin, que nos auxiliam a vislumbrar a sua atualidade.
Por Eduardo Mancuso
Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) nasce em 22 de abril de
1870, na cidade russa de Simbirsk. Filho de um funcionário público integrante
da pequena nobreza do império czarista, ainda jovem presencia seu irmão mais
velho ser enforcado por participar de uma conspiração contra o czar. Ingressa
na Universidade de Kazan para o curso de Direito, mas é expulso devido a
atividades políticas. Seu primeiro panfleto importante, Quem são os amigos do povo, crítica o populismo russo. Preso e
exilado na Sibéria, casa-se com sua companheira de toda a vida, Nadia
Krupskaia. Em 1899, conclui O
desenvolvimento do capitalismo na Rússia, onde analisa a transição do
feudalismo ao capitalismo no grande país dos czares.
Em 1900, no exílio, Lenin reúne-se em Genebra ao grupo do
“pai do marxismo russo”, Plekhanov, e juntos organizam o jornal Iskra (Centelha), órgão do Partido
Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Em 1902 publica Que fazer? - onde apresenta
o projeto de organização de um partido revolucionário – que polariza o II
Congresso do POSDR realizado um ano depois em Londres e que marca a cisão do
partido em duas frações: a maioria dirigida por Lenin (bolcheviques) e a
minoria articulada por Martov (mencheviques). Os bolcheviques tinham uma
estratégia revolucionária para a derrubada da autocracia, e para isso era
necessário um partido clandestino, militante e centralizado; os mencheviques
defendiam a aliança com a burguesia liberal e a organização partidária nos
moldes tradicionais da socialdemocracia europeia. Em 1904 Lenin escreve Um passo em frente, dois passos atrás,
onde fez o balanço da crise do partido, após o congresso.
O ano de 1905 inicia com uma sucessão de greves que evoluem
para uma enorme greve geral que paralisa dezenas de milhares de trabalhadores em
São Petersburgo, a capital do império. Em 9 de janeiro uma gigantesca
manifestação pacífica em frente ao Palácio de Inverno tenta apresentar
reivindicações ao “paizinho” (como os camponeses chamavam o czar Nicolau). As
tropas abrem fogo sobre a multidão, produzindo um massacre que entra para a
história como o “Domingo Sangrento”. As mobilizações se ampliam, explodem greves
por toda a Rússia e surgem os sovietes, os conselhos operários. Em junho ocorre
a sublevação do Encouraçado Potenkin (que vinte anos depois Serguei Eisenstein
transforma em um clássico do cinema); em outubro eclode a greve geral e Trotsky
assume a presidência do soviete de São Petersburgo (futura Petrogrado). Em
dezembro estoura a insurreição dos trabalhadores em Moscou, e as tropas
czaristas só conseguem controlar a situação com muita violência.
Do exílio em Genebra, Lenin publica Duas táticas da socialdemocracia na revolução democrática defendendo
armar o povo e garantir um governo revolucionário que convocasse a assembléia
constituinte de toda a Rússia, com base no sufrágio eleitoral direto e secreto.
Em novembro de 1905, ele consegue voltar à Rússia e transforma o jornal legal Novaia Jizn (Vida Nova) em um órgão com
tiragem diária de 80 mil exemplares, a primeira experiência de um jornal
bolchevique legal e com influência de massas. Após a experiência revolucionária
de 1905, Lenin reconhece que a classe trabalhadora, sem a mediação de nenhum
partido - a influência dos bolcheviques, na clandestinidade e com a direção no
exílio foi pequena nos rumos dos acontecimentos -, havia construído os órgãos
da insurreição: os sovietes.
Com o esmagamento da primeira revolução russa (o “ensaio
geral”, nas palavras de Lenin) e o refluxo do movimento de massas, organiza-se
um congresso de reunificação do POSDR. Desta vez os mencheviques logram a
maioria e impõem as suas posições. Porém, no congresso de 1907, os bolcheviques
retomam o controle do partido. Nesse período, Lenin participa do congresso da
Segunda Internacional e a esquerda socialista derrota as teses de direita sobre
a “missão civilizadora” das potências européias em relação aos povos coloniais.
Voltando ao exílio, Lenin se dedica ao combate teórico
contra o revisionismo filosófico no campo do marxismo, escrevendo em 1908, Materialismo e empiriocriticismo, onde
expressa uma concepção materialista mecanicista (superada alguns anos depois
por seus estudos filosóficos da dialética de Hegel). Muda-se de Genebra para
Paris, escreve artigos para a imprensa socialista combatendo tanto os setores
de direita da socialdemocracia russa (chamados “liquidacionistas” por quererem
acabar com as estruturas clandestinas do partido), como o ultraesquerdismo de
Bogdanov, que defendia a retirada dos deputados bolcheviques da Duma
(assembléia parlamentar controlada pelo czarismo).
Nesse período, Lenin participa do Congresso da Internacional
em Copenhague, e organiza escolas de formação para os militantes bolcheviques
na periferia de Paris. Em 1912, realiza-se o encontro do POSDR, em Praga, que
marca a cisão definitiva do partido, em que a maioria vota a expulsão dos “liquidacionistas”
e aprova a formação do jornal Pravda (A Verdade). Nas eleições para a Duma nesse
ano os bolcheviques recebem mais de um milhão de votos, enquanto os mencheviques
alcançam 250 mil. Com a retomada da mobilização dos trabalhadores e das lutas
democráticas contra a monarquia, os bolcheviques se afirmam como partido
revolucionário, conseguindo aumentar a sua influência política e implantação
social, combinando formas legais e ilegais de organização, agitação e
propaganda.
Em 1914 a Europa estava às portas da Primeira Guerra Mundial.
Os deputados da socialdemocracia alemã votam os créditos de guerra para que o
governo do Kaiser inicie o conflito que massacra 10 milhões de europeus. Dirigentes
social-democratas passam a integrar os governos de seus países, aderindo ao
“social-patriotismo” e ao militarismo. A maioria da Segunda Internacional passa
para o lado do imperialismo, traindo os trabalhadores e o programa socialista.
Lenin escreve A falência da II
Internacional, defendendo a transformação da guerra imperialista em guerra
civil.
Durante os primeiros anos da guerra, Lenin estuda
profundamente a dialética de Hegel. Essa imersão teórica o faz afirmar que não
se pode compreender plenamente O Capital
de Marx sem o entendimento da lógica dialética. Sobre a base desses estudos e
sob o impacto da guerra mundial, escreve uma de suas obras teóricas mais
importantes: Imperialismo, fase superior
do capitalismo (1916), que manteve sua atualidade analítica e influência
política durante todo o século XX.
Nesse período Lenin e vários dirigentes socialistas da
esquerda internacionalista que se opunham à guerra (minoritários nos partidos
da Segunda Internacional), como Rosa Luxemburgo e Trotsky, encontram-se em duas
conferências na Suíça: Zimmerwald e Kienthal.
Com o horror e a fome provocados pela guerra, em fevereiro
de 1917 a revolução inicia na Rússia com a insubordinação nas fileiras do exército
(majoritariamente composto de camponeses), o ressurgimento dos sovietes e as
mobilizações operárias derrubando a desmoralizada autocracia do czar. Assume o
poder o governo provisório, formado por monarquistas constitucionalistas e
burgueses liberais, contando com o apoio crítico dos sovietes, dominados pelos
mencheviques e pelos socialistas-revolucionários (o principal partido do
campesinato). Nas suas Cartas de longe,
Lenin orienta o partido bolchevique a priorizar a intervenção nos sovietes e a
não se comprometer com o governo provisório (que mantinha a Rússia na guerra), e
que logo depois passa a contar com a participação dos mencheviques e
socialistas-revolucionários.
Um plano organizado pelo secretário do partido social-democrata
suíço consegue obter o salvo-conduto do governo alemão para que Lenin e outros
exilados russos (a maioria bolcheviques) atravessassem a Alemanha de trem até a
costa do Mar Báltico, de onde pela Finlândia chegassem a Petrogrado (antiga São
Petersburgo) no início de abril. Uma grande multidão e autoridades do governo provisório
esperavam na estação. Os marinheiros da fortaleza de Krondstadt garantiam a
segurança e uma banda militar tocou a Marselhesa. Ao desembarcar do trem, Lenin
saúda a todos com um chamado à revolução socialista.
Após chegar a Petrogrado, Lenin assume a direção do jornal
Pravda, lança as Teses de abril e
mergulha na luta interna do partido bolchevique. Apesar da forte resistência
das instâncias de direção às suas teses “trotskistas”, Lenin conquista a maioria
do partido e retoma o controle político no comitê central. “Todo o poder aos
sovietes” e “Paz e Terra” são as palavras de ordem que resumem a virada
estratégica leninista rumo à vitória em Outubro. Nas Teses de abril defende a república dos sovietes como a forma
política da ditadura do proletariado, a mudança do nome da organização
bolchevique para Partido Comunista e a fundação de uma nova Internacional. Nesse
período, Lenin finaliza o livro que vinha escrevendo no exílio sobre O Estado e a revolução, baseado nos
textos de Marx sobre a Comuna de Paris, sem dúvida, sua obra mais libertária.
Em junho, no I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, no
qual os bolcheviques ainda eram minoria entre os delegados eleitos, a afirmação
de Lenin de que o seu partido estava pronto para assumir o poder foi recebida
com risos pela maioria reformista. Trotsky e a organização Interdistrital ingressam
no partido bolchevique, e em julho, devido a grande manifestação contra o
governo provisório, os principais dirigentes são presos. Em agosto, o general
monarquista Kornilov desloca unidades cossacas para Petrogrado, tentando um
golpe militar. Diante da impotência do governo provisório e sob a direção dos
bolcheviques, recém libertados das prisões, operários armados e marinheiros
derrotam a contra-revolução monarquista. Em meados de outubro, Lenin apresenta
ao comitê central bolchevique resolução defendendo a insurreição imediata,
adotada contra os votos de Zinoviev e Kamenev (e quatro abstenções). A partir
daí, o Comitê Militar Revolucionário do Soviete, presidido por Trotsky, inicia
a preparação para a tomada do poder. A data é marcada para coincidir com a
abertura do II Congresso dos Sovietes, então com maioria bolchevique (que
passaram durante os meses revolucionários de poucos milhares a mais de duzentos
mil militantes). Lenin sai da clandestinidade e se dirige ao Instituto Smolni,
sede do soviete de Petrogrado.
Em 7 de novembro (25 de outubro pelo antigo calendário
russo), após a tomada dos principais prédios públicos sem maiores confrontos
(em Moscou os enfrentamentos foram mais duros) , o poder estava nas mãos do
Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado. Com os disparos do
cruzador Aurora sob o controle dos marinheiros, começa o assalto ao Palácio de
Inverno e a derrubada do governo provisório. O Estado dos trabalhadores nasce
com os primeiros decretos apresentados por Lenin ao Congresso dos Sovietes de
Toda a Rússia, sobre a questão da paz e a questão da terra. Nessa mesma sessão o
Congresso dos Sovietes aprova a formação do Conselho dos Comissários do Povo e
elege Lenin como seu presidente. Nos primeiros meses do poder soviético, são
nacionalizados os bancos, as estradas de ferro e as grandes empresas, enquanto
no campo a revolução agrária que os camponeses haviam começado antes mesmo da
tomada do poder pelos bolcheviques prossegue expropriando os latifundiários.
Em março de 1918,
após o fechamento da Assembleia Constituinte (em que os bolcheviques tiveram
25% dos votos, muito atrás dos socialistas-revolucionários apoiados pela
maioria dos camponeses) e de uma longa e difícil discussão interna no partido, sob
a pressão do exército alemão, o poder soviético é obrigado a assinar a paz de
Brest-Litovski. Por segurança, a capital é transferida para Moscou. Em agosto,
quando mais da metade do território russo estava sob o controle dos contrarrevolucionários
exércitos brancos, Lenin sofre um atentado executado por uma militante dos
socialistas-revolucionários, que fazem uma tentativa frustrada de derrubar o governo.
Ele se recupera e em novembro escreve A
revolução proletária e o renegado Kautsky, onde ataca o principal teórico
da social-democracia.
Em março de 1919, realiza-se em Moscou o congresso de
fundação da Terceira Internacional Comunista (Comintern), enquanto na Hungria é
proclamada a república dos conselhos (que teve vida breve). Nos combates da
guerra civil, os exércitos brancos sofrem derrotas importantes diante do
Exército Vermelho comandado por Trotsky, que consegue libertar várias regiões
do país, como os Urais, a Sibéria, a Ucrânia, e partes do Cáucaso. Sob pressão
interna dos trabalhadores e de seu movimento sindical, Inglaterra e França são
obrigadas a levantar o bloqueio à Rússia soviética.
Em 1920, a ruína do
país era total. Foi preciso implantar o “comunismo de guerra”, requisições
forçadas aos camponeses para alimentar o Exército Vermelho, que enfrentava e
derrotava as tropas contrarrevolucionárias e fazia retroceder o exército
polonês até o interior de suas fronteiras. Preparando o segundo congresso da
Internacional, Lenin publica Esquerdismo,
doença infantil do comunismo, no qual critica o sectarismo esquerdista,
caracterizando-o como erros de crescimento de partidos comunistas jovens, com
pouca experiência, que não dominavam o trabalho político com as massas. Em
julho, no II Congresso da Internacional Comunista, Lenin homenageia os
revolucionários alemães Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, assassinados covardemente
um ano antes em Berlim, e são ratificadas as famosas 21 condições de admissão
na Internacional.
Ao final da guerra civil, depois da derrota dos exércitos
brancos e estrangeiros, a situação da Rússia era horrível. A indústria estava
quase destruída e a produção agrícola arrasada, assim como o sistema de
transporte. A fome era grande, faltavam alimentos e artigos de primeira
necessidade. A dinâmica política dos sovietes não era a mesma de antes da
guerra civil, a classe operária urbana tinha diminuído devido a mais de três
anos de combates sangrentos, e estava absorvida pelas tarefas de gerir o novo
Estado dos trabalhadores. Moscou e Petrogrado, centros do poder bolchevique, estavam
reduzidas pela metade.
No início de 1921, sofrendo
com o isolamento internacional (e percebendo que a revolução na Europa
refluía), sob o impacto da revolta dos marinheiros da fortaleza de Kronstadt (esmagada
pelos bolcheviques), Lenin lança a NEP – a nova política econômica, pondo fim
ao período do comunismo de guerra. O X Congresso bolchevique adota a resolução
sobre a unidade do partido, prescrevendo (em caráter extraordinário) a
dissolução dos grupos e facções internas (um grande erro político da direção
leninista), com conseqüências trágicas sobre o destino da revolução russa e do
movimento comunista internacional.
No final de 1921, a saúde de Lenin piora e ele é obrigado a
se afastar temporariamente das tarefas de governo e do partido. Em março de
1922, Lenin faz a abertura do XI Congresso do partido apresentando um balanço
positivo do primeiro ano da NEP, depois participa da abertura do IV Congresso
da Internacional, porém em dezembro sofre um ataque. Sentindo que logo poderia
ficar completamente incapacitado e preocupado com os rumos do partido e os sinais
alarmantes de burocratização, ele dita a “Carta ao Congresso”, na qual propõe
afastar Stalin da secretaria geral (a carta deveria ser apresentada ao conjunto
do partido após sua morte, mas isso não aconteceu). Em 1923, Lenin propõe a
Trotsky a formação de um bloco contra a fração stalinista, mas sofre novo
ataque e não participa do XII Congresso do partido.
Em 21 de janeiro de
1924, aos 53 anos, Vladimir Ilitch Ulianov morre. Seu corpo é levado para a
Casa dos Sindicatos e durante quatro dias mais de 900 mil pessoas prestam a
última homenagem ao fundador da república soviética. O Congresso dos Sovietes
aprova o pedido do soviete de Petrogrado de mudar o nome da cidade para
Leningrado.
Ao contrário do
desejo expresso de Lenin, seu corpo é embalsamado e transferido para a Praça
Vermelha. Mumificado e idolatrado como um semideus, derrotado por Stalin em sua
derradeira vontade política, Lenin não consegue vencer o seu último combate:
impedir a burocratização da primeira revolução socialista mundial.
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