Por Immanuel Wallerstein
Ao analisarmos a geopolítica do Oriente Médio, qual deveria ser o foco principal? Há pouco consenso na resposta, mas ainda assim esta é a questão-chave. O governo israelense tenta, constantemente e de modo diligente, fazer com que o foco seja o Irã. A maior parte dos observadores vê neste esforço uma tentativa de desviar atenções de sua falta de vontade em buscar negociações sérias com a Palestina.
De qualquer maneira, o esforço israelense falhou espetacularmente. O primeiro-ministro Benyamin Netanyahu foi incapaz de conseguir que o governo norte-americano se comprometesse com o apoio a um ataque israelense a Teerã. E a habilidade do Irã de reunir a maior parte do mundo não-ocidental — incluindo Paquistão, Índia, China, Palestina e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon — em uma reunião do Movimento Não-Aliado (NAM, em inglês) esta semana, evidencia a impossibilidade política de os israelenses concentrarem a atenção no Irã.
No último ano, o centro das atenções voltou-se para a Síria, não o Irã, mesmo que haja uma ligação entre os dois. Os primeiros a lutar para isso foram a Arábia Saudita e o Catar. Tiveram considerável sucesso. Alguns observadores sentem que foi um esforço para desviar as atenções dos problemas internos da Arábia Saudita e da opressão anti-xiita praticada nos países do Golfo, especialmente Bahrein.
O foco na Síria, no entanto, está prestes a chegar ao fim, por duas razões. Em primeiro lugar, o governo e sua principal oposição, o Exército Livre Sírio, estão mais ou menos travados em seu combate militar. Não parece que nenhum dos lados seja capaz de destruir completamente o outro. Significa que o aquilo que se pode chamar hoje de guerra civil continuará por um período longo e indefinido.
Obviamente, o que poderia terminar rapidamente com a guerra é uma intervenção militar externa. Mas nem os Estados Unidos, Europa Ocidental, Turquia, Arábia Saudita nem mais ninguém está pronto a mandar tropas para a Síria. Estão dispostos apenas a fazer ameaças — e isso não é o bastante para acabar os conflitos.
Mas, em segundo lugar, há a reentrada espetacular do Egito na cena geopolítica. O país tem agora um governo dominado pela Irmandade Muçulmana. O presidente, Mohamed Morsi, parece construir uma agenda bem diferente da de seus precedentes. E Morsi mostrou ser um político muito mais capaz de manobras astutas do que se supunha. O jornal Le Monde registrou isto em um editorial intitulado: “O astuto e surpreendente Morsi.”
O presidente voou a Teerã para a reunião dos não-alinhados, parando em Beijing no caminho. Ao fazê-lo, adiou para setembro o convite de Obama para uma visita oficial aos Estados Unidos — um compromisso que visava evitar a viagem efetivamente realizada. Morsi alega que o objetivo de suas visitas é ajudar a resolver a questão síria.
Se era mesmo a Síria que estava em sua cabeça, ele tem um jeito curioso de demonstrar. Começou com uma proposta criativa — que o Egito juntasse forças com a Turquia, a Arábia Saudita e o Irã, para formar um grupo com a intenção de resolver os problemas políticos que dividem os dois grupos em luta da Síria. Isso é inclusive construtivo, mas certamente Morsi sabe que, pelo menos no momento, a rejeição da Arábia Saudita (e talvez da Turquia) é certa.
Então, por que ele se preocupou em fazer a proposta? Primeiro de tudo, é claro, ele procura posicionar tanto o Egito quanto a Irmandade Muçulmana na condição dos negociadores políticos mais poderosos do Oriente Médio. Nada incomodaria mais os sauditas, é claro. A centralidade egípcia os deslocaria desse papel; e entre eles e a Irmandade Muçulmana já há uma relação hostil histórica.
Em segundo lugar, tendo oferecido a proposta como uma “solução” para o problema sírio, Morsi está evidenciando que, por enquanto, não há saída para a questão. Isso prepara o terreno para a grande mudança — da Síria para a Palestina.
Devemos lembrar de duas coisas sobre a relação do Egito com Israel e a Palestina. Uma é que o Hamas foi fundado por membros da Irmandade Muçulmana. As ligações entre ambos são reais, ainda que o Hamas deseje ter um papel independente na região.
Mas além disso, e ainda mais importante, o pacto egípcio-israelense é muito, muitíssimo impopular no Egito. Morsi não está planejando rompê-lo. Sente — e provavelmente tem razão — que não é forte o bastante, nacional e internacionalmente, para fazer isso. E nem vê necessariamente, neste passo, grande vantagem para o Egito.
Porém, ele está certamente interessado em revisar os termos do pacto de modo relevante. Em particular, quer mudar as regras sobre como o Egito relaciona-se com a guerra na Palestina. Os egípcios vão continuar tentando mediar as diferenças entre a Autoridade Palestina e o Hamas. E certamente tentarão criar fronteiras mais abertas com Gaza. Depois, talvez ofereçam-se diretamente aos israelenses como intermediários honestos — reivindicando um papel que os Estados Unidos clamam ser sua propriedade exclusiva há algum tempo.
Parece ao menos um bom chute apostar que, em 2013, o Egito vai ter silenciado a discussão mundial sobre a Síria e assegurado que seja substituída por um debate internacional sobre a Palestina. Os israelenses demonstram estar profundamente contrariados. Os sauditas estarão marginalizados e, em seguida, precisarão afirmar mais vigorosamente suas credenciais pró-Palestina. E os Estados Unidos — seja seu próximo presidente Romney ou Obama — irão se encontrar em uma posição de muito pouca influência no que acontece, tanto em Israel/Palestina quanto no Egito, Arábia Saudita ou Irã.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário