A crise do euro e os mundos paralelos



Por Flávio Aguiar


Numa das histórias de Barbarella, a heroína dos quadrinhos de Jean-Claude Forrest e do filme de Roger Vadim vive num universo de mundos paralelos. A passagem entre os dois mundos é análoga ao que hoje se descreve como sendo um “buraco negro” nos confins (ou será o centro?) do nosso universo real.

Acontece que os “mundos paralelos” não se vêem. Por quê? Porque vivem em ritmos completamente distintos. Um deles é tão rápido para o outro que se torna invisível para este; este, para o primeiro, parece um quadro estático. Qualquer movimento no mundo vagaroso, por mais rápido que seja, levaria séculos para ser percebido no outro.

A Zona do Euro, e a União Européia, está parecendo personagem desta história fantástica. Senão vejamos.

Nesta quarta-feira pp., a chanceler Ângela Merkel compareceu ao Bundestag, o Parlamento Alemão, e reiterou que a súmula da recessão, chamada de “austeridade”, decidida na última cúpula da UE em Bruxelas era o melhor remédio possível para a crise da moeda e da própria Europa. Não haveria remédio melhor no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, uma pesquisa feita e publicada na Spiegel Internacional entre 500 empresários e altos executivos alemães reiterava a majoritária confiança deles na chanceler e na sua política européia, sua crença esmagadora em que o euro não está a perigo, e na idéia de que a Alemanha está devidamente protegida.

Ao mesmo tempo...

No universo paralelo, três prêmios Nobel de economia – Joseph Stiglitz, Paul Krugman e agora o indiano Amarty Sem – advertem que o plano europeu é catastrófico, que reduzirá a pó a economia do continente e talvez a mundial. A estas vozes se juntou a de Martin Wolf, principal editor de economia do Financial Times, dizendo que o plano de Bruxelas equivale a um suicídio coletivo. Já não vou falar dos analistas de esquerda. Aqueles lá citados pertencem ao establishment liberal (o que não quer dizer que não devam ser levados a sério e que não sejam bons analistas: são.)

O plano concertado na última reunião em Bruxelas levou ao primeiro grande racha na União Européia, com o afastamento do Reino Unidos, cujo governo conservador recusa a tutela da Comissão Européia e do Banco Central Europeu sobre sua City, a versão local de Wall Street.

Irlanda, Suécia, Hungria e República Tcheca ainda estão na circunstância de terem de ratificar o acordo, posto que anunciaram então que sua adesão teria de ser discutida nos respectivos parlamentos com os demais partidos nacionais. Mas parte da mídia alemã prefere apregoar o “isolamento” de Londres.

Tem mais. As dívidas italiana e espanhola continuam custando uma fábula em “yields” (*) para serem re-financiadas a longo prazo. Os mercados e o euro continuam cadentes. Os investidores norte-americanos estão vendendo desesperadamente suas letras em euro e voltando ao até agora semidesprezado dólar U. S.

Quer dizer: o coração do capitalismo mundial está vivendo uma esquizofrenia brutal, com as aurículas batendo num ritmo e os ventrículos em outro. O descompasso é a regra, e a mútua surdez é a forma de comunicação adotada.

Entre os dois mundos, o buraco negro, que esmigalha quem nele passa, continua sendo a moeda de troca da classe trabalhadora, cujos direitos vão sendo esmagados passo a passo.

(*) Finalmente aprendi: um “yield” não é idêntico a “juro”. É o juro concertado quando uma letra é lançada no mercado. Depois, a letra pode variar de preço, conforme a confiabilidade do seu resgate. Mas o “yield” permanece o mesmo. Ou seja, se a letra cai de preço, porque se torna menos confiável, para quem recompra o lucro é maior, e vice-versa. Maravilhas dos mercados paralelos, nesse “mundo Barbarella”. 

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